A incapacidade dos órgãos fazendários de promover a cobrança coativa do crédito tributário por meio da execução fiscal, único meio previsto no nosso ordenamento jurídico, fez com que houvesse uma aliança entre a Fazenda e o Legislativo para instituir uma nova modalidade de cobrança de tributos, que se assemelha à uma cobrança coativa. Refiro-me à instituição de obrigatoriedade de apresentar certidão negativa para as mais diferentes hipóteses de práticas de atos regulares e corriqueiros pelas empresas produtoras e de prestação de serviços.
Consoante escrevemos é bastante preocupante a incessante expansão das hipóteses legais de exigência de certidão negativa de tributos que, às vezes, tem o nítido propósito de promover a cobrança coativa de créditos tributários, sem observância dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.[1]
Em várias oportunidades o STF enfrentou essa questão, proibindo a instituição de sanções políticas para a cobrança de tributos. Editou de forma ilustrativa e educativa três Súmulas adiantes transcritas:
Súmula nº 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323: É inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547: Não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
À Luz desses três anunciados da Corte Suprema resta patente que não podem subsistir a exigência de certidão negativa:
Essas exigências afrontam os princípios gerais da atividade econômica que garantem, no mínimo, a liberdade de empresa, a liberdade de contratação e a liberdade de lucro.
Da mesma forma, leva a condenar o protesto da certidão de dívida ativa. Se no setor privado o protesto tem a relevante função de alertar os comerciantes em geral na concessão de créditos (vendas a prazo) para consumidores que não honram as suas obrigações civis, no setor público só pode ter o objetivo de forçar o pagamento do tributo devido, criando empecilhos ao funcionamento regular da empresa, pois não seria razoável presumir que o protesto tem o efeito de inibir o fisco de tributar empresas insolventes.
Não é preciso editar uma Súmula para cada uma dessas hipóteses, que representam instrumentos coativos, para cobrança de crédito tributário sem o devido processo legal.
Porém, o “pacto” entre a Fazenda e o Judiciário vem mantendo esses instrumentos legislativos truculentos, para promover a arrecadação a qualquer custo, colocando por terra as garantias fundamentais do contribuinte.
Recente “pacto” resultou na criminalização do devedor de imposto declarado ao fisco e não recolhido no prazo legal. Implicou alteração substancial da norma do inciso II, do art. 2º da Lei nº 9.137/90 que define o crime de apropriação indébita tributária com a seguinte redação:
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou da contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
Transparece com lapidar clareza que a apropriação indébita prevista no inciso II só é possível em relação entre contribuintes, e contribuintes de impostos diretos (imposto de renda e contribuição previdenciária). Nos impostos indiretos (IPI, ICMS, ISS, PIS/COFINS) não há possibilidade jurídica de cobrança ou desconto mediante retenção na fonte do valor de tributos devidos, porque eles integram a política de formação de preços, tal qual o valor da matéria prima, o valor da mão de obra, o valor dos insumos e o valor a título de margem de lucro. Em relação ao ICMS devido não há sequer uma relação jurídico-tributária com o consumidor, que não é contribuinte nem responsável tributário, donde duplamente impossível a retenção do imposto, quer na modalidade de “cobrado”, quer na de “descontado”.
Positivamente, a decisão do Plenário da Corte Suprema inaugurou uma nova política criminal tributária, cabente ao Parlamento Nacional.
A manutenção dessa esdrúxula exigência de certidão negativa compromete a política emergencial do governo federal de manter e reativar o crescimento econômico mediante medidas de natureza creditícia. A concessão de créditos para as micro e pequenas empresas pelos estabelecimentos bancários oficiais ficará prejudicada em relação a contribuintes com débitos de tributos.
Da mesma forma, as empresas em recuperação judicial, cujo número está crescendo de forma assustadora neste momento de pandemia, ficarão sem poder ter o plano de pagamento de débitos homologado judicialmente, desperdiçando-se o laborioso trabalho ao longo do tempo para a elaboração desse plano aprovado pela assembléia geral dos credores.
É uma pena que isso venha acontecer, pois, a recuperação judicial é um dos mais valiosos instrumentos de retomada do crescimento econômico, considerando que a sua legislação permite, inteligentemente nesse particular, que a empresa sob recuperação possa alienar a Unidade Produtiva Individual – UPI – sem sub-rogação do ônus tributário ao adquirente. A doutrina conceitua a UPI como sendo sinônimo de estabelecimento. A jurisprudência dá uma conceituação maior para abranger a venda de direitos, de ativos fixos da empresa e de imóveis não envolvidos nas atividades produtivas da empresa.
Facilidades de um lado e dificuldades de outro lado. Nem parece ser obra de um mesmo legislador.
A legislação como um todo deve manter a sua coerência. E a forma de manter essa coerência é a de respeitar os princípios fundamentais de direito.
[1]Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 29. ed.. São Paulo: Atlas, 2020, p. 752.
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