Por André Nassar e Dalton César Cordeiro de Miranda
Espera-se que a casa revisora analise com maior aprofundamento o texto aprovado pela Câmara em exíguos 16 dias úteis
Está em curso no Congresso, com aprovação pela Câmara dos Deputados, o PL 3/2024 tendo por proposta a alteração da “Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, para aprimorar o instituto da falência do empresário e da sociedade empresária”.
Referida proposta legislativa dispondo sobre tema de tamanha envergadura para todo o mercado de crédito foi aprovada em exíguos 16 dias úteis, pois distribuída para relatoria no último dia 5 de março., combinada a apresentação de 50 emendas e 6 diferentes relatórios[1].
E, entre tantas matérias objeto do PL, foi exatamente no último relatório que surgiu proposição que altera a parte final do parágrafo 3º do artigo 49, que trata da suspensão temporária da retirada ou venda de bens de capital essenciais, do estabelecimento do devedor.
Segundo o cristalino entendimento Superior Tribunal de Justiça (STJ, “bem de capital é aquele utilizado no processo de produção (veículos, silos, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores, etc), não se enquadrando em seu conceito o objeto comercializado pelo empresário”, concluindo que: “Se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05”.[2]
Ocorre que, a alteração legislativa aprovada pela Câmara “contorna” o entendimento acima, ao suspender temporariamente a venda ou retirada do estabelecimento do devedor de bens de capital (independentemente de serem essenciais para a recuperação judicial do devedor) e de ativos essenciais (independentemente de serem bens de capital)! [3 e 4]
Significa dizer que o devedor poderá indicar como essenciais quaisquer bens de seu patrimônio, inclusive aqueles vinculados a compromissos com terceiros e/ou aqueles vinculados à títulos e/ou garantias extraconcursais!
E o problema adicional é que, não sendo bens de capital (utilizados no desenvolvimento de suas atividades econômicas), a utilidade da suspensão de sua retirada/entrega não é outra senão sua venda a terceiros. Logo, quando levantada a suspensão, não haverá nenhum bem a ser buscado pelo credor (tampouco garantia apresentada pelo devedor).
De modo ilustrativo e muito simplificado, o que a Câmara dos Deputados aprovou foi o seguinte: suponha que um consumidor adquiriu (e pagou) um aparelho de TV em uma determinada loja para entrega em até 10 dias úteis e que, alguns dias depois, mas antes de receber seu aparelho, esse consumidor recebe a notícia de que referida loja protocolou pedido de recuperação judicial e requereu que os aparelhos de TV sejam considerados ativos essenciais para sua recuperação judicial, o que restou deferido.
Com o deferimento, embora o consumidor tenha direito a receber o aparelho de TV, sua retirada da loja estará suspensa por um período de 180 dias, podendo ser estendido por outros 180 dias. Para retardar a entrega do produto, a loja não terá que apresentar qualquer garantia, de forma que, ao final do prazo de suspensão, caso a loja não tenha mais aparelhos de TV para a entrega ao consumidor, o assunto se resolverá em perdas e danos contra uma empresa em recuperação judicial. E a TV adquirida e paga pelo consumidor? Foi revendida pela loja para outro consumidor.
Essa mesma lógica pode ser estendida para as mais diversas operações e setores da economia, com impactos incalculáveis para todo o mercado de crédito.
Espera-se que o Senado possa, como casa revisora do PL 3/2024, sobre ele se debruçar com maior rigor, aprofundamento e imparcialidade, garantindo que o texto final traga maior segurança jurídica para as operações, e assim, mais estabilidade e conforto para a concessão de crédito no país.
Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/aprimorar-sem-piorar-mercado-de-credito-o-desafio-do-senado-ao-avaliar-o-pl-3-24-04042024