Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro
Relatório, com 70 páginas, foi protocolado às 18h43 e aprovado 17 minutos depois
A Câmara dos Deputados aprovou nessa terça-feira, por 378 votos a 25, projeto de lei que altera a Lei de Falências. O texto tira dos juízes o poder de indicar o administrador judicial que acompanhará os trâmites e fiscalizará o processo falimentar e cria a figura do “gestor fiduciário”, que será escolhido pelos credores para fazer esse mesmo papel. A proposta agora será analisada pelo Senado Federal.
Apesar das críticas de advogados, do Ministério Público e de juízes, o projeto do governo Lula (PT) recebeu apoio também dos partidos de oposição e não teve nenhuma emenda sequer votada em plenário. Apenas a federação Psol/Rede votou contra o parecer da deputada Dani Cunha (União-RJ), por entender que os créditos trabalhistas sairão prejudicados na ordem dos pagamentos.
O texto avançou de forma célere, em regime de urgência, sob críticas à falta de debate e lembranças de que as alterações anteriores foram negociadas por anos e debatidas em audiências públicas. Filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, Dani foi escolhida relatora no dia 5 de março, apresentou seu primeiro parecer dia 16 com dezenas de mudanças e o alterou na semana passada, após negociação com o governo e a oposição — mas a leitura, durante a sessão, fez com que preferissem adiá-lo para ler melhor o texto. Desde então, duas novas versões foram divulgadas, com 70 páginas cada.
A última versão, a que foi votada, foi protocolada às 18h43 dessa terça-feira e aprovada 17 minutos depois.
O acordo para aprovação foi costurado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em duas reuniões. A primeira, na semana passada, levou quase cinco horas e contou com participação do secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto. Nesta terça-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi pessoalmente se encontrar com os deputados para pedir alterações.
Uma das mudanças combinadas foi retirar a previsão de que o desconto obtido pelas empresas em falência ao negociarem transação tributária com a União não seria contabilizado para calcular o imposto de renda devido por elas. Dani, contudo, manteve a previsão de que, nas transações tributárias, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) terá que conceder o maior desconto possível se tratar-se de uma dívida de uma empresa em processo falimentar. A alternativa, nesses casos, seria não aceitar o acordo se o procurador entender que a negociação é desvantajosa.
Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) afirmou que o texto contempla o Executivo em “90%”. “Vamos analisar se trabalharemos para alterar essa parte da transação tributária no Senado”, disse. Outra possibilidade cogitada é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete artigos.
A mudança mais substancial na atual Lei de Falências, porém, conta com apoio do governo e dos parlamentares: a possibilidade de que os credores escolham um gestor fiduciário para realizar o leilão dos ativos e elaborar um plano de falências. Hoje, o papel de acompanhar os trâmites é de um administrador judicial nomeado por um juiz.
Na visão dos parlamentares, isso não estimula a resolução porque há interesse de o gestor manter o processo em aberto para continuar a ser remunerado. Por outro lado, juízes, Ministério Público e advogados afirmam que isso beneficiária apenas os maiores credores e pode afetar a transparência e imparcialidade no pagamento dos credores. Os principais beneficiados seriam bancos, fundos de investimentos e gestoras de recursos especializadas em comprar ativos (assets), que normalmente detêm os créditos de maior valor nas falências.
Administrador judicial da Vasp, o advogado Alexandre Tajra diz que o projeto causa preocupação e que não ocorreu diálogo adequado com os profissionais da área. “A criação da figura do gestor fiduciário e um certo desequilíbrio de poder em relação aos credores são pontos de atenção que precisam ser melhor discutidos, sob o risco de judicialização da matéria”, disse.
O projeto também pode levar a troca de administradores judiciais que estão há anos com o mesmo processo. Dani Cunha criou um mandato de três anos, prorrogável por mais três, para administradores de recuperação judicial e falência. Quem já estiver há mais de seis anos como gestor de um processo, na data de sanção da lei, terá que ser substituído, diz o texto.
Além disso, haverá uma quarentena de dois anos para quem não conseguir concluir a recuperação judicial ou falência dentro de seu mandato e limite de oito processos por administrador em cada vara judicial. Na avaliação de especialistas, isso pode levar à falta de profissionais: em São Paulo, por exemplo, há seis mil processos de falência em curso e só 177 especialistas cadastrados.
Outro ponto, que preocupa os bancos, são novas condições para desconsideração da personalidade jurídica e a suspensão, por até 360 dias, do acesso pelo credor aos recebíveis dados em garantia. Isso, afirmam, pode encarecer ou limitar o crédito.
Fonte: https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/03/26/cmara-aprova-mudanas-na-lei-de-falncias.ghtml