Por Letícia Micchelucci e Rafaela Bazioli
É necessário que haja uma regulamentação definitiva quanto ao conceito de resultado para fins da não incidência do ISS
Há muito tempo os contribuintes do setor de serviços enfrentam dificuldades com a falta de padronização dos conceitos trazidos pela Lei Complementar nº 116/2003, que regulamenta o Imposto sobre Serviços (ISS). Dentre esses desafios, encontra-se a falta de padronização quanto ao conceito de “resultado de serviços”, para fins de não incidência do ISS na exportação.
Impulsionada pela facilidade de comunicação entre países, a exportação de serviços tem sido crescente no Brasil. Apenas em 2022, por exemplo, a exportação de serviços alcançou o patamar de US$ 39 bilhões, equivalente a 2,1% do PIB do ano. Muito embora esse percentual seja pequeno quando comparado à média mundial de 7%, a relevância desses valores não é desprezível.
O setor poderia ser ainda mais crescente, não fosse a dificuldade quanto a interpretação e aplicação da legislação vigente sobre a matéria.
Conforme disposto na LC nº 116/03, o ISS não incide sobre as exportações de serviços. Essa regra poderia ser de fácil entendimento, se não fosse a exceção de que não se enquadram como exportação os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
O grande dilema se refere à indefinição do conceito de “resultado do serviço”, e a falta de regulamentação sobre o tema. Diante dessa imprecisão, alguns municípios já tentaram regulamentar esse conceito para facilitar a aplicação da norma, mas sem sucesso.
Um exemplo é o Parecer Normativo nº 4/2016, publicado pelo Município de São Paulo. Nesse parecer, o conceito de resultado de serviços trazido pela LC nº 116/03 foi desdobrado, no sentido de que o serviço será considerado exportado quando o elemento material, imaterial, ou interesse econômico sobre o qual recaia a prestação estiverem localizados no exterior.
Entretanto, são mencionadas algumas exceções sobre serviços específicos, dentre os quais se menciona o serviço de intermediação. Conforme texto da norma, referidos serviços não serão considerados exportados se uma das partes intermediadas, os respectivos bens ou os interesses econômicosestiverem localizados no Brasil, o que gera ainda mais subjetividade na interpretação.
Quando analisamos as soluções de consulta sobre o tema, a imprecisão na interpretação da norma em um mesmo município, é ainda mais alarmante.
Do total de quatro soluções de consulta publicadas recentemente pelo município de São Paulo, três delas se tratam de dúvidas quanto a não incidência do ISS nas exportações de serviços. A fim de assegurar a imunidade do ISS, os contribuintes solicitam análise de seus contratos, haja vista a variedade de possíveis interpretações.
Em razão das várias dúvidas geradas pela legislação, a questão tem sido levada ao Poder Judiciário, que, até o momento, não conseguiu encerrar esta discussão.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, proferiu acórdão (AREsp 587403/RS) sobre o tema em que a exportação de serviço foi reconhecida e o ISS afastado, uma vez que os serviços prestados pelo contribuinte (projetos de engenharia), seriam executados em solo estrangeiro.
Nesse julgamento foram estabelecidos ainda mais critérios, uma vez que a intenção do tomador do serviço, bem como os termos do ato negocial, foram considerados.
Outro entendimento do Judiciário vem da 2ª Turma do STJ, que também tratou da questão no AREsp 1446639/SP. Nessa ação, o contribuinte requereu o afastamento do ISS, sob alegação de que os serviços prestados envolviam o transporte de bens para utilização em eventos no exterior. Nesse julgamento, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, confrontou duas correntes interpretativas, a do resultado-consumação e a do resultado-utilidade.
Na primeira hipótese, o serviço seria considerado como exportado, e o ISS afastado, caso a conclusão tenha ocorrido em território brasileiro. Já na segunda hipótese, o serviço seria considerado exportado caso a utilidade que visa criar ocorra no exterior. Segundo o relator, a segunda corrente foi aplicada ao caso – resultado-utilidade.
Apesar da corrente interpretativa quanto ao resultado-utilidade ter inicialmente pacificado o tema, fato é que o próprio STJ e os tribunais inferiores têm demonstrado certa dificuldade na aplicação desse entendimento. Tendo em vista as particularidades de cada serviço prestado, raramente é simples se identificar o local onde, de fato, ocorreu sua utilidade.
Diante desse cenário, é necessário que haja uma regulamentação definitiva quanto ao conceito de resultado para fins da não incidência do ISS, seja por meio de interpretação conclusiva pelos tribunais superiores, ou, de preferência, por meio de uma norma sobre a matéria.
De outro modo, a expectativa de uma resolução será atribuída tão somente à reforma tributária, a qual prevê a substituição do ISS pelo IBS, cujo projeto de lei já foi protocolado pelo governo.
Muito embora o texto do projeto não ter trazido o termo “resultado”, o projeto prevê, por exemplo, que será considerado como exportação o fornecimento de serviços cujo “consumo” ocorra no exterior, o qual foi conceituado como “utilização, exploração, aproveitamento, fruição ou acesso”. Em razão dessa extensão conceitual, as interpretações podem ser ainda mais abrangentes.
Nesse sentido, espera-se que tais termos sejam devidamente regulamentados, a fim de se evitar a expressiva reprodução de litígios que se verifica atualmente.
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/exportacao-de-servicos-e-iss-a-controversia-do-resultado.ghtml