Governo prevê atacar benefícios fiscais pelas ‘beiradas’ já neste ano

Por Guilherme Pimenta, Jéssica Sant’Ana e Lu Aiko Otta

Ideia é aproveitar projeto enviado ao Congresso para fazer pente fino e retirar as empresas que não cumprem requisitos

O Ministério da Fazenda avalia que a obrigatoriedade do cadastro dos benefícios fiscais é um dos itens fundamentais para que o governo “corte” renúncias a partir deste ano e, assim, cumpra as metas de resultado previstas no novo arcabouço fiscal, como a previsão de superávit de 0,5% do PIB prevista para 2025 ainda a ser confirmada no envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), em abril. A obrigatoriedade do cadastro está prevista no Projeto de Lei da Conformidade, enviado pelo governo ao Congresso no início de fevereiro.

Segundo fontes da pasta ouvidas pelo Valor, a partir do momento em que o contribuinte será obrigado a cadastrar todos os benefícios que possui, a Receita poderá fazer uma checagem se aquele benefício é ou não justificável. Hoje, segundo o fisco, é muito difícil fazer esse controle, já que a renúncia de receita nem sempre é informada. Dados do Orçamento projetam que, em 2024, as renúncias fiscais vão ultrapassar R$ 520 bilhões.

Uma fonte de equipe econômica reconheceu a dificuldade em cortar benefícios fiscais, que são nascidos em lei e por isso precisam passar pelo Congresso para serem extintos ou esperar o prazo final de vigência (que muitas vezes é indeterminado). Por isso, o governo vai atacar “pelas beiradas”, tentando fazer um pente-fino e retirar as empresas que não cumprem os requisitos legais.

O montante a ser economizado com o corte de benefícios irregulares ainda não é quantificável, segundo membros da pasta, mas apostam a economia (com a consequente alta na arrecadação) será expressiva a partir de 2025.

Um exemplo citado é o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que a Fazenda está reformulando devido a fraudes. No Perse, como já foi possível fazer essa análise, das 12 mil empresas que se enquadrariam no programa, foram encontrados indícios de irregularidade em 1,6 mil delas. O número foi informado ao Valor pela subsecretária de Fiscalização da Receita Federal, Andrea Costa Chaves, no fim de 2023.

Uma emenda constitucional aprovada em 2021 pelo Jair governo Bolsonaro previu que os benefícios tributários não poderiam ultrapassar 2% do Produto Interno Bruto até 2029. Um plano de redução gradual dos incentivos chegou a ser enviado ao Congresso na época, porém não tramitou. A proposta também não diminuia o total de benefícios para 2% do PIB, visto que, na mesma emenda, os parlamentares adicionaram diversas exceções que tornaram a meta inexequível.

A equipe econômica defende que, em paralelo às medidas de revisão dos benefícios tributários, é necessário aumentar o controle sobre essas benesses, excluindo os contribuintes que não cumprem as condições necessárias para sua manutenção. Segundo a Receita, há mais de 200 programas diversos de benefícios fiscais que há difícil controle.

Há mais de 200 programas diversos de benefícios fiscais, segundo a Receita

“Dessa forma, preservam-se os beneficiários que observam as disposições regulamentares ao mesmo tempo em que se reduz o volume total de gastos tributários”, diz a Receita Federal em nota técnica que fundamentou a elaboração do projeto.

O texto prevê que as empresas que são beneficiadas por incentivos tributários deverão declarar o benefício e o valor do crédito tributário correspondente. Ato do fisco vai estabelecer exatamente quais serão os benefícios fiscais a serem informados, os termos, o prazo e as condições. As empresas que não prestarem as informações estarão sujeitas à multa.

“Hoje, a gente não tem esse controle”, afirmou o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, quando o projeto foi apresentado, no início de fevereiro. “O poder público volta a ter governança sobre os benefícios e transparência”, considerou.

Na avaliação de Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest, o controle dos benefícios é uma iniciativa importante da Receita. “Ajuda na governança desses incentivos, ao menos ajuda a controlá-los e avaliá-los, gerando o necessário ‘soft power’ para cortá-los ao longo do tempo.”

 

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/03/26/governo-preve-atacar-beneficios-fiscais-pelas-beiradas-ja-neste-ano.ghtml