Por José Homero Adabo
A reforma tributária sobre consumo, inaugurada por meio da PEC nº 132/2023, é uma excelente oportunidade para os novos profissionais das áreas fiscal, tributária e contábil, oriundos das profissões de advogado e contador, uma vez que sobre a estrutura e funcionamento dos novos impostos possuem o mesmo nível de conhecimento em relação aos profissionais mais experientes. Todos se encontram num mesmo patamar de aprendizado para o início da corrida nos estudos, debates e análises críticas sobre como será a implementação no cotidiano das empresas da nova reforma tributária sobre o consumo.
Já a partir de 01/01/2026, portanto, a menos de 19 meses estaremos diante da entrada em vigor, na forma de teste, do IBS – Imposto sobre bens e serviços e a CBS – Contribuição sobre bens e serviços.
Como sabemos, o IBS substituirá dois tributos (ICMS e ISS) em um novo imposto do tipo IVA – Imposto sobre valor agregado. Terá uma administração compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. Junto com o IBS também entrará em vigor a CBS, substituindo três tributos (PIS, Cofins e IPI). Como estes últimos impostos e contribuições a serem substituídos são de competência da União Federal, a CBS não terá administração compartilhada. Toda sua administração tributária será de responsabilidade da União.
Além dessas fusões e substituições de impostos, a reforma tributária trouxe um novo tributo: IS – Imposto seletivo, cuja função é reduzir as externalidades negativas da economia, ou seja, terá incidência sobre bebidas alcoólicas, fumo e outros produtos considerados nocivos à saúde humana, como esforço para a redução dos efeitos indesejados para a sociedade.
Os antigos tributos irão conviver com os novos (IBS e a CBS) durante a fase de transição, para a qual a EC nº 132/2023 estipulou o período de 01/01/2026 a 31/12/2032. A partir de 1º de janeiro de 2033 ficarão somente o IBS e a CBS. Durante a fase de transição, os novos tributos entrarão paulatinamente em vigor, com alíquotas crescentes até o limite da alíquota de referência a ser fixada pelo Senado Federal, enquanto os antigos terão alíquotas reduzidas sistematicamente até zerar em dezembro de 2032.
Haverá um teto de referência para a arrecadação da CBS pela União e um teto de referência total, incluindo a arrecadação dos dois novos impostos, em relação aos quais não poderão ultrapassar estes limites. Esta é uma forma de proteção aos pagadores de impostos, a fim de evitar aumento arbitrário da carga tributária agregada da economia.
Certamente haverá aumento de carga tributária individual à vários segmentos, em especial, aos prestadores de serviços não diferenciados pela lei, em razão da sua natureza econômica que geram elevados valores adicionados (agregados) na cadeia produtiva. Esses contribuintes estarão sujeitos a poucos créditos para os novos impostos, pois são muito intensivos de mão de obra, e o pagamento de salário não gera crédito tributário.
Como mencionado acima, haverá dois tetos de referência, mas ambos estarão limitados à média da receita tributária arrecadada no período de 2012 a 2021. Também há previsão constitucional de que, havendo excesso de arrecadação, deverá ser promovida redução das alíquotas em vigor. O fato desta trava estar inserida na Constituição é uma salvaguarda interessante aos contribuintes, que deverão se manter atentos e vigilantes, por meio de suas associações de classe, visando exercer a devida pressão na hipótese da existência desse excesso. A nova lei prevê que estes valores deverão ser divulgados e acompanhados periodicamente pelo Tribunal de Contas da União – TCU.
Além disso, as alíquotas de referência a serem fixadas para o IBS e CBS deverão ser reduzidas em 2035, caso a média da arrecadação total entre 2029 e 2033 exceda o teto de referência total. A medida inserida na Constituição é outro gatilho que dá ao contribuinte uma “certa garantia” de que em havendo excesso de arrecadação dos dois IVAs haverá redução do teto de referência total e a realização dos devidos ajustes. Esta determinação não é facultativa ao governo brasileiro, mas obrigatória.
Assim, dentro deste contexto, vamos abordar as principais questões práticas e operacionais sobre a incidência e base de cálculo do IBS e da CBS, de acordo com o que consta do Projeto de lei complementar PLP nº 68/2024, protocolado em 25/04/2024, nos seus exatos 499 artigos e 24 Anexos, que se encontra em discussão no Congresso Nacional. Vamos tomar como referência exatamente o que consta atualmente do texto. Evidentemente, se houver modificações, a análise abaixo poderá ter outro desfecho.
“Art. 4º O IBS e a CBS incidem sobre:
I – operações onerosas com bens ou com serviços; e
II – operações não onerosas com bens ou com serviços expressamente previstas nesta Lei Complementar.
§ 1º As operações de que trata o inciso I do caput compreendem o fornecimento de bens ou de serviços e podem decorrer de qualquer ato ou negócio jurídico, tais como:
I – alienação, inclusive compra e venda, troca ou permuta e dação em pagamento;
II – locação;
III – licenciamento, concessão, cessão;
IV – empréstimo;
V – doação onerosa;
VI – instituição onerosa de direitos reais;
VII – arrendamento, inclusive mercantil; e
VIII – prestação de serviços.
§ 2º Para fins da incidência do IBS e da CBS, considera-se operação com serviço qualquer operação que não seja classificada como operação com bem.” (grifamos).
Como se vê acima, o IBS e a CBS são tributos de base ampla, ou seja, incidem sobre todas as operações onerosas com bens ou serviços, decorrentes de qualquer ato ou negócio jurídico. Dito de outro modo, ambos os novos tributos incidem sobre bens materiais ou imateriais, inclusive direitos ou serviços.
Não haverá incidência no fornecimento de serviços realizados por pessoas físicas em decorrência de relação de emprego com o contribuinte ou a sua atuação como administrador ou membro de conselhos fiscal e de administração, bem como de comitês de assessoramento a estes conselhos, desde que previstos em lei, tudo em relação ao contribuinte.
Outro aspecto é que a estrutura de incidência dos novos tributos é totalmente distinta do que temos atualmente. Hoje, nossa estrutura tributária determina a incidência sobre a produção, ou seja, as operações são tributadas segundo a legislação do município do prestador (em geral, mas com algumas exceções para determinados serviços) e do estado onde ocorre a produção (tudo na origem). Portanto, a arrecadação permanece com o estado e município do produtor e do prestador.
Já a receita dos novos tributos ficará com o estado e município de destino. Isto significa que os novos tributos passarão a incidir sobre a base tributária vinculada à operação, mas com a alíquota incidente dada pela legislação do destino.
O PL nº 68/2024 traz definições do que se considera destino, para fins de aplicação das alíquotas do IBS, para as mais variadas hipóteses e tipos de operação.
De todo modo, do ponto de vista econômico, os impactos esperados do espalhamento da arrecadação parecem ser bem mais compatíveis com os custos e despesas públicas sofridos pelas cidades e estados consumidores, e não aqueles atualmente incorridos pelas localidades produtoras. As cidades com maior população consomem muito mais bens e serviços públicos de saúde, educação, transporte, segurança etc. As grandes localidades consumidoras de bens e serviços públicos, que antes recebiam determinadas parcelas da arrecadação tributária, provavelmente passarão a se beneficiar de um incremento das receitas públicas. Aqui utilizamos o advérbio “provavelmente”, porquanto não há até o momento estudos econométricos ou estatísticos apropriados que possam avaliar estes efeitos. Tudo são reflexos esperados, mas com boa dose de probabilidade de ocorrência.
Esta reforma tributária sobre o consumo, se bem implementada, poderá trazer excelentes ganhos à economia brasileira, pelos seus efeitos sobre a microeconomia (ganhos esperados de produtividade das empresas, melhor alocação de investimentos produtivos privados, dentre outros) e a macroeconomia, esta última, desde a geração de novos empregos e renda até um possível deslocamento do eixo de desenvolvimento econômico, que nos últimos 50 anos privilegiou estados produtores em detrimento de estados e regiões consumidoras.
Sobre a base de cálculo do IBS e CBS, a regra geral, prevista no Art. 12 do projeto, é o valor da operação, salvo disposição em contrário estipulada na própria lei complementar.
“Art. 12. A base de cálculo do IBS e da CBS é o valor da operação, salvo disposição em contrário prevista nesta Lei Complementar.
§ 1º O valor da operação compreende o valor integral cobrado pelo fornecedor a qualquer título, incluindo o valor correspondente a:
I – acréscimos decorrentes de ajuste do valor da operação;
II – juros, multas, acréscimos e encargos;
III – descontos concedidos sob condição;
IV – valor do transporte cobrado como parte do valor da operação, seja o transporte efetuado pelo próprio fornecedor ou por sua conta e ordem;
V – tributos e preços públicos, inclusive tarifas, incidentes sobre a operação ou suportados pelo fornecedor, exceto aqueles previstos no § 2º; e
VI – demais importâncias cobradas ou recebidas como parte do valor da operação, inclusive seguros e taxas.” (grifamos).
O montante da operação, como base de incidência, é o valor integral cobrado pelo fornecedor a qualquer título. No valor da operação deverá ser acrescido os ajustes de preços, juros, acréscimos e encargos, descontos condicionais concedidos, fretes, tributos, tarifas, seguros e preços públicos quando suportados pelo fornecedor, exceto o próprio IBS e CBS. Neste aspecto é interessante destacar que os novos tributos são calculados “por fora” (não haverá incidência de imposto sobre imposto, tal como temos hoje para o ICMS, por exemplo).
É o que prevê o parágrafo 2º do Art. 12 do projeto de lei complementar:
“§ 2º Não integram a base de cálculo do IBS e da CBS:
I – o montante do IBS e da CBS incidentes sobre a operação;
II – o montante do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI;
III – os descontos incondicionais; e
IV – os reembolsos ou ressarcimentos recebidos por valores pagos relativos a operações por conta e ordem ou em nome de terceiros, desde que a documentação fiscal relativa a essas operações seja emitida em nome do terceiro; e
V – de 1º de janeiro de 2026 a 31 de dezembro de 2032, o montante incidente na operação dos tributos a que se referem os arts. 155, II, 156, III, 195, I, “b” e IV, e da Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS a que se refere o art. 239, todos da Constituição Federal.” (grifamos).
O Art. 145, parágrafo 3º da CF, inserido pela EC nº 132/2023, assegura que o sistema tributário nacional deva observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.
A incidência dos novos tributos exclusivamente sobre o valor da operação, sem atingir os próprios impostos (cálculo por fora), além da redução esperada do custo tributário individual (custo marginal para as empresas e consumidores) dos bens e serviços, cumpre o papel de garantir a transparência na incidência da carga tributária individual.
Em suma, estas são as principais mudanças com as quais vamos conviver daqui para a frente, relativamente apenas à incidência e base de cálculo do IBS e da CBS.
Estamos, pois, diante de um excelente desafio para todos os profissionais estudiosos do direito tributário, operadores ou não deste ramo do saber jurídico, que deverão se aplicar nos estudos da matéria; participar ativamente de debates e críticas; realizar simulações quantitativas aos seus clientes, bem como do acompanhamento sistemático das várias leis que deverão ser publicadas nos próximos 18 meses.
Fonte: https://tributario.com.br/adabo/incidencia-e-base-de-calculo-do-ibs-e-cbs-segundo-o-plp-68-2024-na-otica-dos-contadores/