O ITCMD é um imposto de competência estadual que incide sobre sobre a transmissão de bens e direitos, seja por morte ou por doação. No caso de doação, havendo um casal em um dos polos da relação – doador ou donatário -, podem surgir dúvidas, seja no que diz respeito à responsabilidade pelo recolhimento do tributo, seja na aplicação de eventual regra de isenção relativa ao montante da doação.
Como não existe Lei Complementar que estabeleça regras em nível nacional, embora haja a previsão de edição dessa norma geral nos artigos 146 e 155 da Constituição Federal, os Estados e o Distrito Federal têm competência para determinar quem é o contribuinte do ITCMD e dispor sobre isenções, além de tudo o mais que não conflite com as premissas fixadas no § 1º do artigo 155 da CF/88.
Portanto, diante de um caso concreto de doação feita por um casal, faz-se necessário consultar a legislação tributária do domicílio dos cônjuges para saber como se dá a incidência do ITCMD.
No Estado de São Paulo, a Lei nº 10.705/2000 dispõe que, em se tratando de doação, o contribuinte do ITCMD é quem recebe a doação (donatário). E, no tocante às isenções, há um dispositivo na lei paulista (artigo 6º, II, “a”) que dispensa o pagamento do imposto nas doações de valor igual ou inferior a 2.500 UFESPs-Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, o que neste ano corresponde a R$ 85.650,00.
Cabe dizer que o tema da doação feita por casal só tem relevância quando se trata de bem comum doado pelo casal. Doação de bens particulares de um ou outro cônjuge, mesmo na constância de comunhão universal, não gera dúvida, constituindo a situação normal de transmissão de um doador a um ou mais donatários.
Os bens comuns de um casal, em razão do regime de comunhão adotado, são aqueles cuja titularidade pertence aos dois e que podem ser disponibilizados, a título oneroso ou gratuito, por qualquer um deles, em nome de ambos. Mesmo que somente um dos cônjuges faça a doação do bem comum, para todos os efeitos terá ocorrido doação pelo casal.
A Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo entendia, até 2015, que a doação de bem comum do casal representava duas doações distintas, como se cada cônjuge estivesse doando 50%. A consequência disso era que o donatário, contribuinte do ITCMD, deveria pagar o imposto considerando a ocorrência de dois fatos geradores. Assim, se o valor doado fosse igual ou inferior a 5.000 UFESPs, o donatário gozaria da isenção, visto que cada um dos fatos geradores seria igual ou inferior ao limite de isenção, de 2.500 UFESPs.
Todavia, em 2016 o fisco paulista mudou o seu entendimento. Estabeleceu-se, na Decisão Normativa CAT-04/2016, que “os bens de casais ou companheiros, na constância de casamento ou de união estável em que for adotado o regime de comunhão parcial ou universal de bens, formam um todo indiviso até a dissolução do casamento ou da união estável.” Com essa nova interpretação, o Estado de São Paulo passou a considerar que na doação de bem comum de casal a um único donatário só há a figura de um doador (o casal) e, portanto, ocorre somente um fato gerador. Consequentemente, a isenção passou a ser reconhecida exclusivamente na doação de bem comum de valor igual ou inferior a 2.500 UFESPs.
Essa mudança de interpretação da Administração Tributária do Estado de São Paulo é questionável, na medida em que partiu da premissa de que na doação feita por casal só existe um doador, atribuindo essa condição não aos componentes do casal, mas sim ao patrimônio comum. No casamento ou na união estável o que existe é a comunhão de dois seres humanos, estes sim dotados de personalidade jurídica. Não existe um ente jurídico “casal”, com direitos e obrigações alheios aos seus componentes.
No próprio Tribunal de Impostos e Taxas-TIT, em 2017, decidiu-se que “(…) não tendo o “casal” personalidade jurídica própria, a doação efetiva-se individualmente em nome de cada um dos doadores.”[1]
Isto posto, entende-se como claramente cabível a irresignação de donatários que venham a receber doações de casais em valores que estariam dentro do limite isencional se outro fosse o entendimento do fisco.
É relevante o argumento, a ser utilizado no contencioso administrativo e se necessário na esfera judicial, de que inexiste na legislação civil, que nesse caso prepondera sobre a tributária[2], a figura do “casal” como ente provido de personalidade jurídica, detentor de direitos e obrigações, e que, sendo assim, não se lhe pode atribuir o status de doador na relação que dá causa ao fato gerador do ITCMD.
[1] Processo 4019163/2013 – Recurso Especial – Data da Publicação: 10/02/2017 – Relator Fábio Henrique Bordini Cruz
[2] CTN – Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
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