Opinião: Caracterização de subvenção para investimento no contexto do Pacto Federativo

Desde o ano de 2017, quando da publicação e vigência da Lei Complementar nº 160, muito se discute sobre quais os incentivos e benefícios fiscais do ICMS que, por equiparação, são hoje enquadrados como subvenção para investimento para fins de determinação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

É importante destacar que as fontes de direito comumente utilizadas para identificar as diversas modalidades de incentivos e benefícios fiscais do ICMS são as Leis Complementares nºs 24/75 (artigo 1º, parágrafo único) e 101/00 (artigo 14, parágrafo 1º), contudo é o Convênio ICMS nº 190, de 15 de dezembro de 2017 (Cláusula Primeira, parágrafo 4º) que nos fornece uma lista exemplificativa mais ampla e elucidativa das diversas formas que as Unidades da Federação podem lançar mão para implementar medidas desonerativas no âmbito da arrecadação do ICMS.

Neste artigo, vamos analisar se a renúncia fiscal relacionada à dispensa de pagamento do ICMS/ST, conforme previsto nos atos acima mencionados, pode ou não ser caracterizada como uma subvenção para investimento, especialmente após a ficção jurídica criada pela Lei Complementar nº 160/17, e nos termos do julgamento do Tema 1.182 realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 26 de abril do ano corrente, mais especificamente em relação às situações em que a dispensa de pagamento amolda-se a proteção trazida pelo Pacto Federativo, o qual impede que um ente tributante tribute renúncia fiscal criada por outro ente tributante.

Para tanto, utilizaremos uma situação fática e real, ou seja, a que resulta na dispensa de pagamento do complemento do ICMS ST aos contribuintes que optem pelo Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária (ROT-ST/SP), nos termos da Portaria CAT nº 25, de 30 de abril de 2021.

Antes, contudo, permita-nos clarear do que se tratar esta hipótese. Como é do conhecimento, na sistemática da substituição tributária do ICMS, quando o alienante comercializar mercadoria por valor superior ao montante da base de cálculo presumida que serviu de referência para o recolhimento do ICMS-ST ou quando houver majoração da carga tributária em momento superveniente, este deverá promover à respectiva mensuração e recolhimento do imposto complementar aos cofres públicos estaduais. Trata-se, portanto, de uma obrigação legal, no caso do estado de São Paulo prevista na Lei n° 17.293, de outubro de 2020.

Este é um processo reconhecidamente complexo e burocrático, fato que motivou a edição do Convênio ICMS nº 67, em 5 de julho de 2019, instituindo o ROT-ST, nos termos da Cláusula Terceira e seus parágrafos, autorizando as unidades da Federação a dispensarem os varejistas do pagamento do imposto correspondente à complementação do ICMS retido por substituição tributária sob condição que os optantes renunciem ao direito ao ressarcimento do ICMS-ST.

Nesta dimensão, não restam dúvidas, que o Estado de São Paulo, ao instituir o ROT-ST, renuncia a uma arrecadação do imposto estadual nas circunstâncias acima elencadas, ainda que em nome da eficiência e celeridade dos processos administrativos fiscais. Assim, é inescapável a conclusão que o valor remido é um benefício fiscal do ICMS e, portanto, uma subvenção para investimento, no teor e condições expressas na Lei Complementar nº 160/2017.

Entretanto, em que pese esta conclusão já nos levar à consequente não sujeição à incidência do IRPJ e da CSLL do montante que se dispensou o recolhimento aos cofres públicos dos entes federativos, , resta-nos ainda enfrentar uma última questão que se impõem a partir do “distinguishing” utilizado pelo STJ para afastar a jurisprudência firmada em torno do crédito presumido (Pacto Federativo) em relação às demais espécies e modalidade de incentivos e benefícios fiscais do ICMS.

Em atenção ao voto proferido pelo ministro relator Benedito Gonçalves, é possível verificar que a argumentação central desta distinção se apoiou no fato de que o ICMS se submete ao regime da não cumulatividade, caracterizada na incidência do “imposto sobre imposto”, e de que o crédito da etapa subsequente equivale ao imposto devido na etapa anterior, restando evidente a ocorrência de um fenômeno específico conhecido como “efeito de recuperação”.

Por meio desta construção, concluiu-se que as situações de isenções, reduções de base de cálculo e outras similares seriam consideradas apenas como diferimentos temporários, não lhes aplicando a jurisprudência do Eresp 1.517.492/PR, que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Afirmamos com relativa tranquilidade de que, na hipótese da dispensa de pagamento, não se verifica a ocorrência do efeito de recuperação, uma vez que nesta modalidade de benefício fiscal não repercute, de maneira alguma, na sistemática não cumulativa do ICMS, esgotando seus efeitos e reflexos apenas e exclusivamente no contribuinte optante do ROT-ST.

Em assim sendo, alicerçados nos fundamentos empregados pelos ministros do STJ quando do julgamento do Tema 1.182, entendemos haver bons argumentos jurídicos para afastar a incidência do IRPJ e da CSLL ao amparo da jurisprudência que se firmou em torno do crédito presumido (Pacto Federativo), que dispensa os contribuintes de contabilizar tais renúncias em conta de reserva, no patrimônio líquido, e de atender às demais condições previstas no artigo 30 da Lei nº 12/973/14.

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Por Nelson Alves, sócio da Reis, Varrichio e Carrer Sociedade de Advogados.

Jarbas Contin, sócio da Reis, Varrichio e Carrer Sociedade de Advogados.

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