Por Beatriz Olivon
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para derrubar quatro pontos da Reforma da Previdência do ano de 2019 (estabelecida pela Emenda Constitucional nº 103) referentes a servidores públicas. Contudo o julgamento não terminou. Foi suspenso no último voto, pela decano, ministro Gilmar Mendes.
A revisão integral da reforma é um dos maiores riscos fiscais judiciais ezimados pela União no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o ano de 2025. O impacto é estimado em RS 497,9 bilhões para um conjunto de 15 ações 13 foram analisadas ontem e duas seguem em tramitação.
O principal ponto em análise é a aplicação de alíquotas progressivas de contribuição aos servidores públicos. A reforma trouxe a possibilidade de acréscimos na alíquota, conforme o valor do salário recebido pelo servidor. Cinco de dez ministros votaram para derrubar esse ponto (ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e André Mendonça).
O julgamento já havia começado no Plenário Virtual, com o voto do relator, Luís Roberto Barroso, que mantinha a validade da maior parte das regras. O único pedido aceito por Barroso foi para que a base de cálculo da contribuição previdenciária de inativos e pensionistas só possa ser aumentada, em caso de déficit, após a adoção da progressividade de alíquotas.
O déficit previdenciário mostra contínuo agravamento ao longo dos anos, segundo Barroso apontou ontem, relembrando seu voto. Segundo ele, a atual despesa da Previdência é de cerca de R$ 1 trilhão e a arrecadação, de R$ 600 bilhões, resultando em um déficit de R$ 400 bilhões.
“O Estado brasileiro não arrecada sequer a metade do que gasta com a Previdência Social”, afirmou Barroso na sessão.
“A Previdência, historicamente, era um mecanismo de transferência de riqueza das camadas mais pobres para as mais abastadas e, nesse contexto, veio a EC 103”, declarou o ministro. Por isso, colocou no seu voto o dever de auto-contenção judicial.
O julgamento foi retomado ontem com o voto vista do ministro Alexandre de Moraes. Os ministros se dividiram em diferentes votos, mas foi formada maioria em quatro de cinco itens, seguindo o voto do ministro Edson Fachin,
Fachin votou pela inconstitucionalidade de alíquotas progressivas para servidores públicos, de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões. Nesse ponto foi acompanhado por outros quatro ministros.
Foi formada a maioria de votos quanto à inconstitucionalidade da previsão de que, quando houver déficit, a contribuição possa incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que superem o salário-mínimo. A maioria também votou pela invalidade da contribuição previdenciária extraordinária (que incide sobre valores, em geral, modestos). Esses itens ainda não foram ainda implementados pela União, mas por Estados e municípios sim.
A maior parte dos ministros também votou para derrubar a previsão de cálculo diferenciado do provento de mulheres no regime geral e no regime próprio dos servidores públicos. Além disso, a maioria votou contra a revogação de aposentadorias de membros do Ministério Público e da magistratura que não tiveram o devido tempo de contribuição, por desconsiderarem anterior exercício da advocacia. Nesse último item, dos que votaram, somente o ministro Luís Roberto Barroso ficou vencido.
Manter isso mostra um “retrato do privilégio”, segundo o ministro Gilmar Mendes. Para ele, um modelo de privilégio leva a novas cobranças, como a contribuição extraordinária.
Para Gilmar Mendes, ainda preocupa avançar em uma questão de validade de Emenda Constitucional sem analisar a repercussão financeira. “Uma emenda que já está em vigor e vem sendo aplicada há tanto tempo”, destacou ao pedir vista, suspendendo o julgamento.
A maioria dos itens sobre os quais os ministros se manifestaram tratam de previsões para servidores públicos, mas muitos outros foram questionados. Entre eles, a possibilidade de redução pela metade da aposentadoria recebida por dependente, após a morte do beneficiário.
Sobre isso, apesar de considerar que não é uma boa regra porque alguns gastos fixos do casal não caem pela metade após a morte, Moraes entendeu que a regra é constitucional, assim como os demais ministros.
No voto, Moraes afirmou também que existem vários preconceitos com a questão previdenciária. Ele citou, por exemplo, alegações de que toda a culpa pelo déficit da Previdência seria do trabalhador e do aposentado. “Quando sabemos que no Brasil, por décadas e décadas, fundos arrecadados pelo trabalhador foram destinados a outros fins”, declarou no voto.
Moraes afirmou ainda que, se 30% das isenções tributárias “que não precisariam mais existir” fossem revogadas, esse déficit poderia ser contornado. De acordo com ele, há isenções da década de 1940 criadas para estimular alguns setores. Nessa semana, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, também criticou as isenções fiscais – em um contexto mais amplo do que a previdência social – como vem fazendo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Após pedido de vista, o prazo para a volta do processo em pauta de julgamento é de 90 dias. Até que seja finalizado, os ministros podem mudar os votos.