Fazenda prepara megassistema tributário 150 vezes maior que o Pix

A Receita Federal anunciou o desenvolvimento de uma plataforma tecnológica inédita, destinada a operacionalizar a cobrança dos novos tributos sobre o consumo previstos na reforma tributária. O sistema, classificado pelo órgão como 150 vezes maior que o Pix em volume de dados, tem como objetivo central reduzir drasticamente a sonegação fiscal e modernizar o processo de arrecadação no país. A estrutura lidará com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência de estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União, que substituirão PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.

Segundo o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, a dimensão da iniciativa decorre da necessidade de processar a totalidade das notas fiscais eletrônicas, estimadas em 70 bilhões de documentos anuais. Diferentemente do Pix, que envolve apenas informações básicas de transação, as notas fiscais contêm dados detalhados sobre produtos, emissores, créditos tributários e operações. Essa complexidade torna o sistema 150 vezes mais robusto, tanto em capacidade de armazenamento quanto em velocidade de processamento.

No plano de funcionamento, a plataforma contará com o mecanismo de “split payment”, que permitirá o repasse imediato dos valores devidos a União, estados e municípios no ato da transação eletrônica. Esse modelo, amplamente discutido na tramitação da reforma, elimina a etapa intermediária de retenção do tributo pelo contribuinte, atacando diretamente a prática de atraso ou inadimplência no recolhimento. Barreirinhas destacou que, com a automatização, desaparece o espaço para empresas conhecidas como “noteiras”, criadas apenas para fraudar o Fisco mediante emissão de documentos falsos ou adulterados.

O cronograma prevê que a plataforma esteja em fase operacional já em 2026, em ambiente de testes com alíquota simbólica de 1%, compensável em outros tributos, de modo a não gerar aumento de carga imediata. A partir de 2027, o “split payment” será aplicado integralmente sobre a CBS, com foco inicial em transações entre empresas (modelo business to business). Na mesma data, extinguem-se PIS e Cofins. Já a transição do ICMS e do ISS para o IBS ocorrerá gradualmente entre 2029 e 2032, com substituição progressiva das alíquotas.

O governo estima que a medida reduzirá significativamente a evasão, embora não divulgue projeções oficiais. Especialistas consultados avaliam que a arrecadação adicional pode variar entre R$ 400 bilhões e R$ 500 bilhões anuais, valores próximos ao montante atualmente sonegado. O impacto será sentido diretamente nas empresas, que precisarão rever fluxos de caixa e investir em sistemas integrados, já que os tributos deixarão de transitar pelas contas corporativas.

Outro pilar do sistema será o tratamento dos créditos tributários, decorrentes da não cumulatividade prevista na reforma. A plataforma calculará automaticamente os valores de ressarcimento vinculados a insumos e etapas anteriores da cadeia produtiva. A expectativa da Receita é de que esses créditos possam ser devolvidos em horas, reduzindo distorções e melhorando a previsibilidade empresarial. A solução também integrará o mecanismo de devolução de parte dos impostos às famílias de baixa renda, o chamado “cashback”, vinculado ao Cadastro Único (CadÚnico). Pela norma aprovada, haverá devolução de 20% dos tributos federais, estaduais e municipais sobre consumo para famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo, além de abatimentos específicos em contas de serviços públicos essenciais.

Do ponto de vista da conformidade fiscal, o sistema deve reduzir erros de cálculo e autuações, já que trará ferramentas oficiais de apuração. Barreirinhas explicou que haverá uma calculadora integrada: se o contribuinte inserir informações equivocadas, a plataforma identificará a inconsistência e emitirá alerta para correção antes do envio. Essa abordagem busca substituir o atual modelo, em que divergências são detectadas apenas em etapas posteriores, resultando em autuações.

No cenário macro, o governo ressalta que a reforma não alterará a carga tributária agregada sobre consumo, embora o Brasil continue figurando entre os países com alíquotas mais elevadas. Estima-se que a alíquota de referência seja uma das maiores do mundo, segundo dados já divulgados pelo Ministério da Fazenda. O desafio será equilibrar o aumento de eficiência arrecadatória com a desoneração de exportações e investimentos, prevista como contrapartida estrutural da reforma.

Na avaliação dos técnicos, o grande diferencial do modelo será a transparência e a padronização nacional, com integração entre União, estados e municípios por meio de um sistema único, operado com apoio do Serpro e desenvolvido em colaboração com empresas de tecnologia e instituições financeiras. A Caixa Econômica Federal será responsável pela operacionalização do cashback social. Barreirinhas afirmou que, embora a legislação preveja prazo de até três dias para ajustes de créditos, a meta é realizar a compensação em tempo real, de forma a não gerar distorções de fluxo.

Para especialistas consultados, a implantação representa não apenas uma mudança estrutural no combate à sonegação, mas também uma ruptura na gestão tributária empresarial. Práticas manuais e controles em planilhas tendem a se tornar inviáveis diante da sofisticação exigida. O novo cenário exigirá sistemas contábeis integrados diretamente ao ambiente fiscal da Receita, com impacto relevante na governança das empresas de todos os portes.

Assim, a Receita Federal dá início à construção de um arcabouço tecnológico sem precedentes, que, a partir da reforma tributária, pode reposicionar o Brasil no debate internacional sobre eficiência fiscal. O êxito dependerá não apenas da arquitetura do sistema, mas também da adesão empresarial e da capacidade de ajuste das administrações tributárias locais.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/fazenda-prepara-megassistema-tributario-150-vezes-maior-que-o-pix/