O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a cobrança de aproximadamente R$ 21 milhões de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre movimentações de recursos entre empresas do mesmo grupo econômico. A decisão, proferida pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção, sob relatoria do conselheiro Bruno Minoru Takii, considerou que a operação analisada não caracterizava contrato de mútuo, mas simples fluxo financeiro em conta corrente entre partes relacionadas — hipótese em que o tributo não incide. O entendimento beneficiou a Empresa de Mecanização Rural, integrante do Grupo Ferroeste, e ainda comporta recurso pela Fazenda Nacional.
A relevância do julgamento decorre de sua divergência em relação à linha predominante no próprio tribunal administrativo, historicamente mais favorável ao Fisco. No caso, a empresa apresentou provas contábeis que demonstraram a movimentação bilateral de valores desde o início da relação, sem cobrança de juros, bem como a realização de balanço anual que zerava os saldos das contas envolvidas. Esses elementos foram determinantes para demonstrar que a operação não possuía as características de um mútuo, que pressupõe a obrigação de restituição e, em geral, a remuneração do valor emprestado.
Segundo o voto do relator, embora a jurisprudência do Carf costume equiparar contratos de conta corrente — conhecidos também como de “caixa único” — a operações de crédito sujeitas ao IOF, é essencial distinguir as figuras jurídicas. O artigo 13 da Lei nº 9.779/1999 e o artigo 7º do Decreto nº 6.306/2007 tratam da incidência do imposto sobre operações de crédito correspondentes a mútuo, inclusive aquelas decorrentes de registros contábeis que impliquem a entrega de recursos a terceiros. Para o conselheiro, porém, essa regra não se aplica quando não há posições fixas de credor e devedor, nem obrigação de devolução, características próprias do contrato de conta corrente.
A Receita Federal havia autuado a contribuinte pelas transferências ocorridas entre 2018 e 2019, equiparando-as a empréstimos, tese mantida pela Delegacia de Julgamento (DRJ) e sustentada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Em nota ao Valor, a PGFN reiterou que, na sua interpretação, o contrato de conta corrente sucede o mútuo e torna o fluxo financeiro sujeito ao chamado “IOF-crédito”, citando precedentes dos acórdãos nº 9303-016.864, nº 9303-016.179 e nº 9303-015.128. A Procuradoria também mencionou que o Supremo Tribunal Federal, em 2023, validou o artigo 13 da Lei 9.779/1999, ao reconhecer a possibilidade de incidência do imposto sobre mútuos entre pessoas jurídicas ou entre estas e pessoas físicas, ainda que não intermediados por instituições financeiras.
Para o relator, no entanto, as provas constantes dos autos mostravam a existência de contrato de conta corrente em vigor desde 2010, sem previsão de juros ou devolução obrigatória de valores. Assim, concluiu que o IOF não deveria incidir sobre as operações autuadas. Advogados tributaristas ouvidos pelo Valor destacaram que o acórdão reforça a importância de documentação contábil robusta para afastar autuações semelhantes.
Na avaliação de especialistas, a decisão sinaliza uma possível inflexão no entendimento administrativo, ao privilegiar a análise da realidade contratual e contábil em detrimento de presunções fiscais. Embora ainda não vinculante, o precedente oferece parâmetro relevante para contribuintes que realizam movimentações financeiras internas entre empresas de um mesmo grupo e desejam comprovar a inexistência de operação de crédito sujeita ao IOF.