STJ afasta IR sobre cotas de fundos transmitidas por herança no valor histórico

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que a transferência de cotas de fundos de investimento em razão de sucessão causa mortis, quando realizada pelo valor histórico declarado na última DIRPF do falecido, não gera incidência de Imposto de Renda. O julgamento consolidou o entendimento de que essa operação não configura acréscimo patrimonial apto a caracterizar o fato gerador previsto no artigo 43 do Código Tributário Nacional.

A controvérsia analisada envolvia a definição sobre a existência ou não de fato gerador do Imposto de Renda na transferência de titularidade de cotas de fundos de investimento em decorrência de herança. O núcleo da discussão residia em saber se a mera sucessão, quando as cotas são avaliadas pelo valor constante da última declaração de bens do falecido, poderia ser equiparada a uma operação de alienação ou resgate das cotas — situações que ensejam tributação nos termos da legislação de regência.

O colegiado observou que o fato gerador do Imposto de Renda pode decorrer de duas hipóteses distintas: o ganho de capital, resultante da valorização do bem, e o acréscimo patrimonial, decorrente de rendimentos financeiros. No caso concreto, nenhuma dessas situações foi verificada, já que não houve aumento de patrimônio nem realização de lucro com a simples transmissão das cotas aos herdeiros.

A ministra relatora destacou que o artigo 6º, inciso XVI, da Lei nº 7.713/1988, expressamente isenta do Imposto de Renda os valores correspondentes a bens e direitos recebidos por herança. Além disso, o artigo 23 da Lei nº 9.532/1997 — cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 1.425.609/GO — prevê que, na transferência de bens por sucessão, é possível optar pela avaliação a valor de mercado ou pelo valor declarado na última declaração do de cujus. O § 1º do referido artigo dispõe que, caso a transferência ocorra a valor de mercado, a diferença positiva em relação ao valor declarado sujeita-se à tributação pela alíquota de 15%. O § 4º, por sua vez, define que esse valor de transferência será considerado o custo de aquisição para fins de apuração de ganho de capital futuro.

Com base nesses dispositivos, o STJ concluiu que a tributação somente se aplica quando houver valorização e o bem for transmitido pelo valor de mercado. Quando a transferência é feita pelo valor histórico constante da declaração do falecido, inexiste ganho de capital, e, portanto, não se configura o fato gerador do imposto.

O acórdão também enfrentou interpretação equivocada do tribunal de origem, que havia aplicado o artigo 65, caput e §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.981/1995, ao considerar que a sucessão causa mortis equivaleria a uma alienação das cotas, atraindo a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). Para a corte superior, essa conclusão não se sustenta, pois tais dispositivos tratam de rendimentos produzidos por aplicações financeiras de renda fixa, e não de fundos de investimento. Além disso, a alienação pressupõe ato de vontade do contribuinte, o que não ocorre nas transmissões decorrentes de falecimento.

A ministra relatora reforçou que a sucessão causa mortis é regulada por regra própria, expressa no artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, que diferencia claramente essa hipótese das operações de alienação. Assim, não há fundamento legal para exigir IRRF na simples transferência de titularidade de cotas de fundos de investimento a herdeiros, quando o valor adotado é o mesmo da última declaração do falecido.

O julgamento também reiterou entendimento já consolidado pela Primeira Turma do STJ. No Recurso Especial nº 1.968.695/SP, relatado pelo ministro Gurgel de Faria e julgado em agosto de 2024, foi assentado que não existe previsão normativa que determine a incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte sobre a mera transferência de cotas de fundos — de qualquer modalidade — em decorrência de sucessão causa mortis. O tributo somente é devido se a operação ocorrer com base em valor de mercado e houver diferença positiva em relação ao custo de aquisição.

Dessa forma, o colegiado reconheceu que a transmissão de cotas de fundos de investimento, avaliada pelo valor histórico constante da DIRPF do de cujus, não constitui fato gerador do Imposto de Renda. A decisão reforça o princípio da legalidade tributária e afasta a interpretação ampliativa de normas de incidência, preservando a neutralidade fiscal das transmissões causa mortis que não geram acréscimo patrimonial efetivo.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/stj-afasta-ir-sobre-cotas-de-fundos-transmitidas-por-heranca-no-valor-historico/