STJ consolida dedução de JCP retroativo e vincula instâncias inferiores

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento definitivo sobre a possibilidade de dedução dos juros sobre capital próprio relativos a exercícios anteriores, fixando tese em recurso repetitivo (Tema 1319) que assegura às empresas o abatimento desses valores na apuração do IRPJ e da CSLL quando a deliberação societária que autoriza o pagamento ocorre em momento posterior. A decisão unânime consolida a linha já adotada pelas duas turmas de direito público do tribunal e deverá ser reproduzida automaticamente pelo Judiciário e pelo Carf.

O caso analisado envolvia a controvérsia gerada pela interpretação da Receita Federal, que desde 1996 sustenta que a dedução de JCP deve respeitar estritamente o regime de competência. Essa visão foi reforçada por orientação administrativa posterior, como a Solução de Consulta nº 329/2014, segundo a qual valores referentes a exercícios passados não poderiam ser considerados como despesa do período de deliberação.

De acordo com o Fisco, o JCP corresponderia a um mecanismo de incentivo e estaria sujeito a limites temporais que não poderiam ser afastados, sobretudo quando o pagamento busca remunerar acionistas por períodos já encerrados. A Procuradoria da Fazenda Nacional insistiu nessa perspectiva ao questionar a possibilidade de que empresas distribuam montantes acumulados e depois os utilizem para reduzir a carga tributária.

No julgamento, o ministro Paulo Sérgio Domingues retomou o histórico da jurisprudência das turmas de direito público e afirmou que a dedução deve ocorrer no momento em que se constitui a obrigação, isto é, na data da deliberação societária que autoriza o pagamento. Para o relator, é essa deliberação que gera a despesa contábil, justificando a aplicação do regime de competência. Ele destacou que as instruções normativas da Receita não estabeleciam limitação temporal até 2017, quando o Fisco passou a defender expressamente uma restrição. O ministro foi acompanhado integralmente pelos demais integrantes da 1ª Seção.

Os autos reuniram precedentes recentes que já sustentavam esse entendimento. A Corte mencionou julgados como o REsp 1971537/SP, apreciado pela 1ª Turma em 2023, e o REsp 1946363/SP, decidido pela 2ª Turma em 2022, ambos permitindo a dedução de JCP apurado em exercícios anteriores. Apesar dessa consolidação jurisprudencial no STJ, tribunais regionais ainda registravam divergência e o procurador da Fazenda Nacional argumentou no repetitivo que havia necessidade de superar esse padrão decisório. Entre os fundamentos da Fazenda, foi citado o Tema 454 do próprio STJ, que afastou a dedução de PIS/Cofins embutido no valor do JCP, como suposto indicativo de que o instituto deveria ser tratado como benefício fiscal sujeito a interpretação restritiva.

O debate travado no repetitivo também considerou os efeitos práticos da controvérsia. Para advogados que atuaram nos processos, a Receita e o Carf vinham contrariando a linha dominante nas turmas de direito público, produzindo autuações e decisões administrativas desfavoráveis a empresas que vinham utilizando JCP acumulado para reorganizar seus resultados. Segundo tributaristas ouvidos, houve inclusive mudança recente na Câmara Superior do Carf, que passou a julgar a matéria com quórum completo e formou maioria em favor da Fazenda Nacional. A partir da tese firmada pelo STJ, esses julgamentos deverão ser suspensos e, depois do trânsito em julgado, o Carf terá de reproduzir o que foi decidido pela Corte Superior.

Nos processos que deram origem ao repetitivo, atuaram empresas de setores diversos, como supermercados e companhias industriais, que utilizam o JCP como instrumento relevante de remuneração ao acionista. Especialistas afirmaram que o impacto econômico é expressivo, sobretudo para negócios com lucros acumulados que podem ser reduzidos por meio da distribuição retroativa. Na avaliação de tributaristas, o julgamento devolve segurança jurídica e evita que empresas deixem de exercer o direito diante do receio de futuras autuações.

Também foi ressaltado que a pacificação do tema deve repercutir na administração tributária. Nada impede que, após o trânsito em julgado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional edite parecer vinculante dirigido à Receita Federal, uniformizando o entendimento e impedindo novas autuações sobre o tema. Em paralelo, especialistas observam que a movimentação legislativa voltada à possível revisão do regime do JCP torna ainda mais urgente a deliberação societária sobre valores acumulados, já que eventual modificação por lei não alcançaria exercícios já deliberados.

Com a tese repetitiva, a Corte reforça que não há matéria constitucional no debate e afasta a perspectiva de remessa ao Supremo Tribunal Federal. Assim, o Tema 1319 tende a encerrar a controvérsia no âmbito judicial e administrativo, obrigando que todas as instâncias observem que a dedução do JCP é possível mesmo quando apurado em exercício anterior, desde que a despesa seja reconhecida no momento da deliberação que autoriza o pagamento.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/stj-consolida-deducao-de-jcp-retroativo-e-vincula-instancias-inferiores/