A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 2.178.201/RJ, alterou substancialmente a jurisprudência consolidada sobre o prazo para compensação de créditos tributários reconhecidos judicialmente. O novo entendimento fixa em cinco anos, contados do trânsito em julgado da sentença, o período máximo para a efetivação integral das compensações, vedando sua diluição além desse prazo.
Tal mudança representa um marco na forma como os contribuintes devem estruturar suas estratégias de recuperação de indébitos, especialmente em teses tributárias de alto impacto financeiro.
A decisão rompe com a orientação anterior da própria 2ª Turma, segundo a qual, iniciada a habilitação do crédito dentro do prazo quinquenal, o contribuinte poderia utilizá-lo até seu esgotamento, sem limitação temporal. Com o novo posicionamento, a corte se alinha ao entendimento da 1ª Turma, que vinha sinalizando uma abordagem mais restritiva e centrada na previsibilidade fiscal do Estado, trazendo repercussões diretas para o planejamento tributário empresarial.
Na análise de Karen Evelyn de Almeida Silva, a mudança jurisprudencial imposta pelo julgamento do REsp nº 2.178.201/RJ tem implicações profundas na sistemática da compensação tributária federal. A autora observa que, até então, a jurisprudência da 2ª Turma do STJ permitia ao contribuinte realizar compensações progressivas, desde que houvesse a habilitação do crédito dentro do prazo de cinco anos após o trânsito em julgado.
Com a nova diretriz, todas as declarações de compensação (PER/DCOMP) deverão ser apresentadas dentro desse mesmo período, sob pena de prescrição. A relatoria do ministro Francisco Falcão destacou que permitir o uso indefinido dos créditos tornaria a compensação um investimento financeiro, incentivando o contribuinte a retardar seu aproveitamento visando a correção pela Selic — isenta de IRPJ e CSLL — em prejuízo da previsibilidade fiscal da União.
A advogada ainda ressalta que, embora a decisão do STJ tenha fundamento na legislação anterior à Lei nº 14.873/2024, que inseriu o artigo 74-A à Lei nº 9.430/96, há um evidente descompasso entre o novo entendimento judicial e a intenção legislativa atual. A norma recente estipula que a primeira declaração de compensação deve ser feita dentro dos cinco anos do trânsito em julgado, sem exigir o esgotamento total do crédito nesse prazo. Segundo Karen, isso demonstra que a exigência de integral aproveitamento do crédito tributário em cinco anos ignora a lógica operacional do sistema de compensação e compromete a segurança jurídica de contribuintes que já estruturaram seus planejamentos com base no entendimento anterior.
Para os autores Jose Marcello Monteiro Gurgel e Guilherme Santil Félix da Silva, a decisão do STJ representa uma ruptura com fundamentos jurídicos até então sólidos. Eles afirmam que, historicamente, o artigo 168, I, do CTN era interpretado como limitador do prazo apenas para o início do processo de compensação, e não para seu esgotamento. A mudança, portanto, configura um verdadeiro overruling, contrariando a jurisprudência que buscava proteger a coisa julgada e a efetividade do direito à repetição do indébito.
Os autores alertam que o novo paradigma ignora a impossibilidade material de muitas empresas utilizarem integralmente os créditos reconhecidos judicialmente no prazo quinquenal, seja por limitações em sua capacidade contributiva, seja pela burocracia do procedimento de compensação junto à Receita Federal.
Na avaliação dos especialistas, a decisão também impõe um ônus desproporcional ao contribuinte que, muitas vezes, vê-se compelido a optar pelo mandado de segurança — única via viável para discussão judicial sem risco de sucumbência —, sendo depois surpreendido por uma limitação temporal que inviabiliza o gozo pleno de seu direito. Além disso, os autores apontam para o risco de esvaziamento da coisa julgada, ao se permitir que créditos reconhecidos em sentença transitem para um estado de ineficácia por força de uma interpretação que desconsidera as condições fáticas do contribuinte.
Pedro Vieira, por sua vez, vê na decisão do STJ um perigoso alinhamento à lógica arrecadatória do Estado, em detrimento da autonomia tributária do contribuinte. Para ele, ao justificar a mudança de entendimento com base na necessidade de previsibilidade fiscal, a corte se distancia dos princípios que regem o planejamento tributário, essencial para a saúde financeira e estratégica das empresas.
Vieira critica a tese de que o contribuinte retarda o aproveitamento do crédito como forma de obter ganho financeiro via correção pela Selic, argumentando que essa correção visa unicamente recompor o poder aquisitivo do valor indevidamente recolhido. O autor afirma que impor um prazo rígido de compensação, sem considerar o fluxo de caixa e a realidade operacional das empresas, compromete severamente a governança tributária empresarial e pode acarretar perdas financeiras substanciais.
Assim, a decisão do STJ no REsp nº 2.178.201/RJ redesenha o horizonte jurídico da compensação tributária, impondo novos limites temporais que desafiam a lógica histórica da jurisprudência e a operacionalidade dos créditos reconhecidos judicialmente, evidenciando ainda mais o conflito entre o novo entendimento e a legislação atual.
A decisão no longo prazo pode trazer a erosão da segurança jurídica e a inviabilidade prática de esgotar créditos em prazo tão restrito, causando efeitos colaterais sobre a autonomia do planejamento tributário empresarial.
Nesse contexto, a nova orientação do STJ impõe obstáculos significativos à efetividade do direito ao indébito, exigindo atenção redobrada dos contribuintes e, possivelmente, uma revisão legislativa ou jurisprudencial que restabeleça o equilíbrio entre arrecadação e justiça fiscal.