O debate sobre a tributação de heranças e doações ganhou novos contornos em 2025. De um lado, o Congresso Nacional avança com o PLP nº 108/2024, que promete redefinir as bases de cálculo do ITCMD ao permitir que o Fisco utilize métodos complexos de avaliação de empresas familiares. Do outro, o Estado de São Paulo surpreende ao propor uma redução progressiva das alíquotas do imposto, em contraste com a postura da Receita Federal, que, em recente solução de consulta, decidiu tributar expectativas patrimoniais ligadas a trusts internacionais.
O cenário, marcado por movimentos divergentes, expõe uma tensão entre previsibilidade e insegurança jurídica. Afinal, como conciliar um modelo que promete menor carga fiscal em âmbito estadual com outro que amplia a margem de subjetividade e risco de litígio em nível federal? A resposta pode determinar o futuro do planejamento sucessório e a sobrevivência de muitas empresas familiares no país.
Segundo Gabriel Gonçalves Masiero e Thiago da Veiga Ferreira, o PLP nº 108/2024 traz profundas alterações na forma de calcular o ITCMD sobre cotas e ações de sociedades de capital fechado. Até então, estados como São Paulo permitiam a tributação com base no patrimônio contábil, conforme decisão do TJ-SP (Apelação / Remessa Necessária nº 1013127-23.2023.8.26.0053), enquanto Santa Catarina adotava o valor patrimonial líquido atualizado pela abertura da sucessão (art. 6º, § 4º do RITCMD).
Com a nova proposta, entretanto, a regra passaria a exigir metodologias de valuation sofisticadas, incluindo análise de fluxo de caixa descontado, múltiplos de mercado e até a incorporação do fundo de comércio, elemento altamente subjetivo.
Essa mudança amplia sobremaneira a margem de disputas entre contribuintes e a Fazenda Pública, pois diferentes métodos podem gerar resultados completamente distintos. A possibilidade de avaliações inflacionadas traria consequências diretas à sucessão patrimonial, já que herdeiros poderiam enfrentar dificuldades em pagar o ITCMD, sobretudo quando os ativos herdados forem ilíquidos.
Isso criaria um risco real de descontinuidade em empresas familiares, que já enfrentam dificuldades de sobrevivência intergeracional — apenas 25% delas chegam à terceira geração, segundo estudos citados pelos autores. O projeto, assim, ameaça não apenas a segurança jurídica, mas também a função social da empresa, comprometendo a previsibilidade e a livre iniciativa.
Em contrapartida, de acordo com Lucia Regina P. Moioli, o Estado de São Paulo apresentou o PL nº 409/2025, que rompe com a tradição de carga elevada e burocrática do ITCMD ao instituir alíquotas progressivas entre 1% e 4%. Essa proposta reduz efetivamente a alíquota média aplicada à maioria das famílias, reservando a carga máxima apenas para transmissões de alto valor. O movimento é interpretado como um avanço em termos de justiça fiscal e racionalidade, em contraste com tentativas anteriores de elevar o imposto ao limite máximo autorizado pelo Senado Federal.
Enquanto São Paulo ensaia uma flexibilização inteligente, a Receita Federal segue caminho oposto. Na Solução de Consulta Cosit nº 75/2025, a autarquia decidiu que beneficiários brasileiros de trusts irrevogáveis no exterior já possuem disponibilidade jurídica e econômica sobre os bens, ainda que não tenham acesso efetivo a eles. Essa interpretação, afronta diretamente o artigo 43 do Código Tributário Nacional e o artigo 153, III, da Constituição, ao confundir expectativa com acréscimo patrimonial. O resultado, afirma, é a criação de uma tributação sobre bens inexistentes, capaz de gerar insegurança jurídica e estimular a evasão de capitais.
As opiniões expostas revelam a coexistência de dois vetores opostos no campo tributário brasileiro. De um lado, avança-se em propostas que ampliam a discricionariedade do Fisco na avaliação de ativos, elevando a insegurança jurídica e o risco de litígios intermináveis. De outro, surgem iniciativas regionais que buscam racionalizar a cobrança, tornando-a mais proporcional e adequada à realidade socioeconômica.
A falta de uniformidade entre as esferas federal e estadual tende a criar um ambiente de incertezas para o contribuinte, especialmente para famílias que estruturam seu planejamento sucessório em empresas ou holdings patrimoniais.
Esse descompasso sinaliza um desafio central para o futuro da tributação no Brasil: harmonizar arrecadação com previsibilidade. Sem critérios objetivos e coordenação normativa, corre-se o risco de transformar a sucessão patrimonial em um campo permanente de litígio, minando tanto a continuidade das empresas familiares quanto a atratividade do país como destino de investimentos.
Fonte: https://tributario.com.br/a/tributacao-de-herancas-e-doacoes-ganha-novos-contornos-em-2025/