Split Payment redefinirá caixa e calculo de valuation: empresas terão de correr para se adaptar

O avanço da reforma tributária com a EC 132/23 e a LC 214/25 marca a estreia oficial do split payment no Brasil, um modelo que altera a lógica de arrecadação e mexe diretamente no coração financeiro das empresas. Mais do que uma mudança de procedimento, trata-se de uma reconfiguração estrutural que exigirá ajustes rápidos e precisos na gestão de caixa, no planejamento fiscal e até na forma de avaliar o valor de mercado das companhias.

Se, no papel, o novo IVA dual — IBS e CBS — promete simplicidade e alinhamento internacional, na prática ele traz um recado claro: improviso não cabe mais. Com a retenção automática dos tributos no momento do pagamento, a folga de capital de giro, antes garantida pelo prazo entre a venda e o recolhimento, desaparece. Estariam as empresas prontas para operar com esse nível de previsibilidade fiscal e aperto financeiro?

Segundo Júlio N. Nogueira, a LC 214/25 inaugura uma era em que o fluxo de caixa será testado como nunca. O split payment elimina a prática de receber o valor bruto da venda para, posteriormente, recolher os tributos, reduzindo a liquidez imediata das empresas e pressionando especialmente setores de margens estreitas, como comércio e construção civil. A medida garante arrecadação instantânea para o governo e exige das companhias gestão financeira de precisão cirúrgica, com ajustes em estoques, prazos e contratos.

No curto prazo, o mecanismo será visto como inimigo do caixa, mas, estrategicamente, poderá se tornar um divisor de águas entre empresas com alta governança e aquelas que enfrentarão asfixia financeira. No campo do valuation, o impacto será direto: a previsibilidade de caixa cai, modelos de fluxo de caixa descontado passam a incorporar novas variáveis, e a exposição de margens e EBITDA cobrados “por fora” revelará a real eficiência — ou fragilidade — da gestão.

Já na avaliação de Ana Lívia Vaz Bisson e Douglas Santos, o split payment representa uma das inovações centrais da reforma, automatizando a arrecadação por meio de sistemas integrados a notas fiscais eletrônicas e meios de pagamento autorizados. O art. 31 da LC 214/25 fixa como marco o momento da liquidação financeira, acionando o repasse automático do IBS e da CBS aos entes arrecadadores. Essa retenção ocorrerá inclusive em pagamentos antecipados ou parcelados, conforme o art. 34 da mesma lei.

Para o Fisco, os ganhos incluem redução da inadimplência e mitigação de fraudes, mas, para as empresas, o custo será alto: perda da utilização transitória dos tributos como capital de giro, necessidade de investimentos robustos em tecnologia e adequação de processos internos. Ainda há riscos jurídicos, como recolhimentos indevidos e divergências de alíquotas, e reforçam que, embora o mecanismo seja facultativo em 2026 para operações entre empresas, a adesão plena será inevitável a partir de 2027.

Em síntese, o split payment não é mero detalhe operacional, mas uma transformação que redefine gestão financeira e avaliação de valor no mercado. Ao retirar o “colchão” de liquidez que sustentava o capital de giro, obriga empresas a revisarem contratos, políticas de crédito, sistemas de faturamento e modelos de precificação, sob pena de perda de competitividade.

No plano macro, a reforma tributária coloca o Brasil em sintonia com sistemas de IVA mais maduros, garantindo maior previsibilidade arrecadatória e fortalecendo o controle fiscal. No micro, porém, o ajuste exigido do setor produtivo será intenso e imediato, separando, já nos primeiros anos, as empresas capazes de transformar a mudança em vantagem competitiva daquelas que verão seu valor de mercado encolher.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/split-payment-redefinira-caixa-e-calculo-de-valuation-empresas-terao-de-correr-para-se-adaptar/