STJ e as balizas jurisprudências do Simples Nacional

O Superior Tribunal de Justiça vem reunindo entendimentos que vêm estruturando a aplicação do Simples Nacional, com ênfase nos limites de benefícios extrínsecos ao regime, na definição de sua base de cálculo e nas hipóteses de ingresso e exclusão. O panorama atual confirma uma jurisprudência pragmática: preserva-se a lógica do sistema unificado da Lei Complementar 123/2006, mas sem converter o Simples em salvo-conduto para afastar tributos ou regras que a lei não dispensou.

No plano jurisprudencial, a Primeira Seção, sob o rito dos repetitivos (Tema 1.283), assentou que empresas do setor de eventos optantes pelo Simples não podem acumular a alíquota zero do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) — Lei 14.148/2021 — para PIS, Cofins, CSLL e IRPJ. A tese ancora-se no art. 24, § 1º, da LC 123/2006, que veda alterações de alíquotas capazes de modificar o montante apurado no regime. O leading case foi o REsp 2.126.428, relatado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura; segundo a corte, a natureza opcional do regime impede invocar isonomia para ampliar incentivos externos ao Simples.

Quanto à retroatividade, a Primeira Turma afastou a tese de inclusão, no Simples, de débitos gerados em período em que havia vedação legal, ainda que norma posterior tenha ampliado o rol de atividades admitidas. No AREsp 2.191.098, o relator ministro Paulo Sérgio Domingues destacou que o art. 106 do CTN só opera em hipóteses de lei interpretativa ou de disciplina de infrações e penalidades; não se presta a franquear, retroativamente, a adoção do regime quando a lei, à época do fato gerador, proibia a opção (à luz do art. 17, XI, da LC 123/2006, antes da revogação pela LC 147/2014).

No tema FGTS, a Segunda Turma firmou, no REsp 1.635.047, que permanece exigível a contribuição prevista no art. 1º da LC 110/2001 também para optantes do Simples. Na avaliação do relator, ministro Mauro Campbell Marques, a leitura sistemática do art. 13 da LC 123/2006 conduz à preservação das contribuições destinadas ao FGTS, haja vista o histórico normativo desde o Simples Federal (Lei 9.317/1996, art. 3º, § 2º, “g”) e a natureza social dos recursos (Lei 8.036/1990, art. 15). O colegiado entendeu que a dispensa do art. 13, § 3º, não alcança essa exação.

Em contraponto, no contencioso sobre requisitos cadastrais, a Segunda Turma concluiu que a ausência de alvará de localização e funcionamento, isoladamente, não constitui irregularidade cadastral fiscal apta a impedir ingresso ou manutenção no regime (REsp 1.512.925). Segundo o relator, ministro Mauro Campbell, a expressão “irregularidade em cadastro fiscal” do art. 17, XVI, da LC 123/2006 refere-se a situações de suspensão, cancelamento, inaptidão ou registro de créditos não quitados nos cadastros fiscalizatórios, o que não se confunde com licenciamento administrativo municipal (Lei 10.522/2002, art. 2º, I e II).

No que toca à base de cálculo, a jurisprudência vem excluindo as gorjetas do conceito de receita bruta para fins de apuração do Simples. Em decisões como o AREsp 2.381.899 (rel. ministro Mauro Campbell) e o AREsp 1.846.725 (rel. ministro Gurgel de Faria), os colegiados reconheceram que o valor pago a título de gorjeta não integra o preço do serviço para ISS e, por simetria, não compõe a receita bruta do art. 18, § 3º, da LC 123/2006 nem o conceito do art. 3º, § 1º, da mesma lei.

A Segunda Turma também afirmou, no REsp 1.988.618 (rel. ministro Marco Aurélio Bellizze), a isenção do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) às empresas do Simples, por força do art. 13, § 3º, da LC 123/2006, que dispensa “as demais contribuições instituídas pela União” não submetidas ao recolhimento unificado do caput e do § 1º. Na mesma toada, a Primeira Turma, no REsp 1.825.143 (rel. ministro Paulo Sérgio Domingues), reconheceu que a Condecine ostenta natureza de Cide instituída pela União (CF, art. 149), motivo pelo qual também se enquadra na dispensa do § 3º do art. 13.

Em matéria processual, a Primeira Turma enfrentou a legitimidade passiva em mandados de segurança sobre ingresso no regime. No REsp 1.319.118, o relator ministro Benedito Gonçalves concluiu que o polo passivo deve refletir a autoridade que praticou o ato impeditivo, em consonância com o art. 41 da LC 123/2006 e com a repartição de competências do Comitê Gestor do Simples Nacional. A negativa de opção por débitos perante determinado ente impõe a impugnação dirigida à respectiva administração tributária, e não à União, quando o coator é estadual ou municipal.

Por fim, a corte reafirmou a incompatibilidade entre a retenção previdenciária de 11% (art. 31 da Lei 8.212/1991) e o regime simplificado, aplicando a Súmula 425 (“a retenção da contribuição para a seguridade social pelo tomador do serviço não se aplica às empresas optantes pelo Simples”). No REsp 2.137.118, relatado pelo ministro Afrânio Vilela, a Segunda Turma afastou a retenção exigida de empresa de controle de pragas equiparada, na origem, a serviços de limpeza, por entender prevalente o enunciado sumular diante da sistemática própria do regime unificado.

REsp 2.126.428; AREsp 2.191.098; REsp 1.635.047; REsp 1.512.925; AREsp 2.381.899; AREsp 1.846.725; REsp 1.988.618; REsp 1.825.143; REsp 1.319.118; REsp 2.137.118.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/stj-e-as-balizas-jurisprudencias-do-simples-nacional/