A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou em 17 de setembro de 2025 o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que regulamenta a reforma tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023. O relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), apresentou substitutivo ao texto vindo da Câmara dos Deputados, incorporando quase 150 das 517 emendas apresentadas. A proposta segue para votação em Plenário, em regime de urgência.
No plano estrutural, a reforma criou dois tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá ICMS e ISS, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal. O relator defendeu que a medida rompe com o modelo fragmentado vigente, apontando-a como marco histórico por ser a primeira de alcance amplo construída em regime democrático.
Quanto à repartição do IBS, o texto prevê que, até 2032, estados e municípios manterão a arrecadação de ICMS e ISS. A partir de 2033, o valor recebido de ICMS servirá como parâmetro para a participação no IBS. O substitutivo estendeu até 2096 a vigência do seguro-receita, instrumento de compensação por perdas arrecadatórias, e adiou para 2033 a destinação de recursos do imposto ao Fundo de Combate à Pobreza.
No campo da tributação setorial, plataformas digitais poderão ser responsabilizadas pela emissão de notas fiscais e pelo recolhimento de tributos, inclusive atuando como substitutas tributárias. O descumprimento dessas obrigações gera responsabilidade solidária e sanções. Além disso, foi prevista a implementação do sistema de split payment, no qual o valor do tributo devido em operações com IBS ou CBS é retido no ato do pagamento, reduzindo o risco de sonegação. As penalidades incluem multa fixa por transação e percentual sobre valores não repassados, podendo chegar à suspensão da autorização de funcionamento de instituições de pagamento pelo Banco Central.
O projeto também trata do imposto seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. No caso das bebidas açucaradas, a alíquota máxima foi limitada a 2%, com introdução gradual entre 2029 e 2033. Emendas foram aceitas para equalizar o tratamento de produtos fumígenos nacionais e importados. Outro ponto relevante é a previsão de cashback para contribuintes de baixa renda, aplicável inclusive a operações de gás canalizado em regime monofásico.
Em relação ao ITCMD, a proposta uniformiza a cobrança entre os estados, exige progressividade e fixa limite máximo de alíquota a ser estabelecido pelo Senado. Foram mantidas imunidades para entidades religiosas, partidos, sindicatos e organizações sem fins lucrativos, além de exclusão de benefícios de previdência privada complementar da base de cálculo. A incidência foi estendida a transmissões por trust. Para o ITBI, a cobrança deve ocorrer preferencialmente no registro da escritura, com possibilidade de alíquotas menores se o pagamento ocorrer no ato cartorial.
O substitutivo também disciplina a Contribuição para Iluminação Pública (CIP), autorizando municípios a direcionar recursos para segurança urbana, o que pode elevar o tributo. Durante a transição ao novo modelo, a fiscalização terá caráter pedagógico: contribuintes terão 60 dias para corrigir irregularidades sem penalidade. As multas foram redimensionadas, com majoração para casos de fraude e redução em situações de erro sem dolo.
Para administrar o IBS, será criado o Comitê Gestor (CG-IBS), entidade pública de regime especial com autonomia administrativa, técnica e financeira. O Conselho Superior terá 54 membros, metade indicada por estados e Distrito Federal e metade eleita pelos municípios. As decisões exigem maioria absoluta e votos de representantes de estados que somem mais de 50% da população. O modelo garante alternância na presidência entre estados e municípios, além de reservar 30% dos cargos de liderança para mulheres. O Senado definirá o limite de endividamento do órgão, que terá orçamento fiscalizado pelos Tribunais de Contas. A União financiará o comitê entre 2025 e 2028, com repasses que somam até R$ 3,8 bilhões, sendo o custeio gradualmente transferido para percentuais da arrecadação do IBS.
No processo administrativo tributário, o relator suprimiu a previsão de parcelamento sem juros em caso de desempate favorável ao Fisco e instituiu a Câmara Nacional de Integração do Contencioso Administrativo do IBS e da CBS. O novo órgão uniformizará teses e poderá ser acionado contra decisões irrecorríveis do Carf e do CG-IBS. O texto estabelece julgamentos eletrônicos, contagem de prazos em dias úteis e hipóteses de revisão mais amplas.
Outro ponto sensível é o destino dos créditos acumulados de ICMS com sua extinção em 2033. As empresas poderão utilizá-los para compensar débitos do próprio imposto, abatê-los do IBS, transferi-los a terceiros ou solicitar ressarcimento em até 240 parcelas, com possibilidade de antecipação a partir de 2034 em caso de aumento da arrecadação. Também foi autorizada a desoneração de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, além da apropriação de créditos e estorno de débitos em devoluções e cancelamentos.
A votação do PLP 108/2024 no Plenário do Senado definirá os próximos passos da regulamentação da reforma tributária e a consolidação de um novo sistema de arrecadação nacional.
Prazo de 60 dias sem penalidade
Umas das principais inovações do relatório foi a concessão de um prazo de 60 dias para que contribuintes regularizem infrações sem incidência de multas, medida que valerá até 31 de dezembro de 2026. A proposta altera a Lei Complementar nº 214/2025, com a inclusão dos §§ 3º e 4º no art. 348, reforçando o caráter pedagógico da fiscalização durante a fase de transição do novo sistema.
No plano jurisprudencial, o relator destacou que a flexibilização busca mitigar efeitos excessivos sobre empresas que, embora descumpram obrigações acessórias ou principais, possam corrigir condutas de maneira célere. Segundo o texto, o sujeito passivo intimado terá dois meses contados da ciência da fiscalização para suprir omissões. Essa janela de tolerância se soma a ajustes prévios introduzidos por Braga, que já havia diferenciado o tratamento entre contribuintes que declaram integralmente seus dados, mas divergem sobre a quantificação do tributo, e aqueles que omitem informações, hipótese em que a penalidade incidirá de forma integral.
Quanto à fundamentação normativa, o parecer consolidou as regras de penalidades na LC 214/2025, entre os arts. 341-A e 341-G. As multas de ofício foram fixadas em 75% sobre o valor do tributo devido ou crédito indevido. Nos casos de sonegação, fraude, simulação ou conluio, a sanção alcança 100%, podendo ser majorada a 150% em situações de reincidência. A inovação foi a redução de 50% para o contribuinte que, mesmo em desacordo, tenha declarado todos os fatos relevantes, mitigando riscos de litígios desnecessários.
Nos efeitos práticos, as penalidades se estendem além do aspecto financeiro. A legislação prevê medidas como cassação de licenças, baixa de ofício no CNPJ, cancelamento de benefícios fiscais e exclusão de regimes especiais. A gradação busca, segundo o relator, alinhar a disciplina do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) a uma sistemática conjunta, evitando duplicidade de regimes sancionatórios.
Em termos quantitativos, o cálculo das multas passou a ter como referência a Unidade Padrão Fiscal (UPF), fixada em R$ 200 e atualizada anualmente pela inflação. Determinadas condutas possuem penalidades expressamente quantificadas: atraso na entrega de declarações pode gerar multa de 20 UPF (R$ 4.000) sem intimação e 30 UPF (R$ 6.000) quando houver notificação; a instalação de software que permita suprimir tributos implica multa de 100 UPF (R$ 20.000) por equipamento; e o desenvolvimento ou fornecimento desses programas a terceiros acarreta 150 UPF (R$ 30.000). Já a resistência à fiscalização resulta em 50 UPF (R$ 10.000), enquanto a omissão de informações de importação ou exportação implica 100 UPF (R$ 20.000) por dado. Condutas relacionadas a documentos fiscais variam entre 1 UPF (R$ 200) e até 100% do tributo devido, dependendo da gravidade.
O parecer também estruturou reduções para incentivar a adimplência. Haverá desconto de 50% para pagamento integral do crédito tributário no prazo de apresentação da impugnação administrativa e 40% para parcelamentos no mesmo período. Após esse prazo, antes da inscrição em dívida ativa, o corte será de 30% no pagamento à vista e 20% no parcelamento. Empresas com “bons antecedentes fiscais” ou participantes do Programa Nacional de Conformidade Tributária terão condições mais benéficas, como redução de até 60% no pagamento integral dentro do prazo da impugnação.
Fonte: https://tributario.com.br/a/ccj-aprova-projeto-108-de-regulamentacao-da-reforma-tributaria/