Se o que o define a transação, nos termos do artigo 171 do CTN é a perspectiva por ela instrumentalizada de resolver conflitos por meio de outorgas recíprocas, é natural supor que, em sua essência pragmática, o emprego dessa ferramenta exija a articulação, lado a lado, de tantas concessões quantas forem capazes de mobilizar o desejo dos litigantes de migrar para o campo da convergência [1].
Nada demais até aí, não fosse o fato de a transação instalada por obra da Lei Federal nº 13.988/2020 demandar, em grande medida, a iniciativa, via edital, do Fisco — o que se passa, de forma absoluta, no caso da transação de tese.
Tomando essa espécie de protagonismo fazendário como referencial (um protagonismo relativo, é bem verdade, uma vez que a vontade dela, Fazenda, não é condição suficiente para formalização da transação, conquanto se apresente como condição necessária), seríamos quase que invariavelmente catapultados na direção da ideia de “eficiência”, um princípio que rege a atuação administrativa — inclusive no campo tributário — e que representa uma base confortável para explicar se e quando a Fazenda tomaria a inciativa de lançar os editais que reputa interessantes, assim como para explicar as condições e concessões nos tais editais contempladas.
Lembremos de um detalhe, porém: “eficiência” é princípio genérico, governando toda a atuação administrativa, aspecto que o faz, como princípio, líquido, quando menos para explicar, pragmaticamente, o que está (ou deveria estar) por trás da ideia de transação.
Para alavancar a transação em termos concretos, a Fazenda naturalmente deverá concluir que lhe interessa ceder em certos aspectos, liberando-se da insegurança que a presença de um conflito no Judiciário provoca, mormente no que se refere à ideia de arrecadação — fim último da atividade administrativo-tributária.
Mas isso basta? É assim, a partir dessas premissas, que se pavimentará, em nível prático, uma transação que se pretenda bem sucedida? Podemos e devemos reconhecer que não.
Sendo a transação instrumento que demanda convergência de posições, as concessões a ela inerentes e que seriam a priori definidas pela Fazenda — sobretudo nos casos de edital, como se passa, assim já dissemos, nas transações de tese — devem estar minimamente ajustadas aos interesses do contribuinte litigante, operação que exige o atravessamento de uma ideia um pouco mais sofisticada do que “eficiência” — a de “empatia”.
Pode parecer estranho suscitar esse termo no contexto do direito, campo de especulação tradicionalmente atrelado a visões beligerantes, unilateralistas, quase maniqueístas, enfim. Coloquemos essas estranhezas na gaveta, no entanto, não por romantismo ou pretensão contracultural, mas simplesmente porque não é possível falar, na prática, em transação concretamente exitosa se as concessões que lhe subjazem, quando desenhadas por um dos atores, não o for de forma empática.
Não é de “autoajuda”, vale frisar, que estamos falando, senão de pragmatismo em sua dimensão mais sólida — se é que é possível pensar num pragmatismo que assim não seja.
Meditemos, com efeito: se a Fazenda delibera por lançar um edital de transação — de cobrança ou de tese, não importa — é porque, antes de assim fazer, estudos preparatórios indicam esse como o “caminho de ouro”. Não é possível dizer, no entanto, que o lançamento do edital, assim como os estudos que o precederam, integralizariam a ideia de “eficiência” administrativa em nível real: o edital, como norma geral, só repercute pragmaticamente quando se cambia em instrumento individual, resultado cuja consecução exige a adesão do contribuinte.
Pois é aí que está o nó da questão: não dá para usar a noção de “eficiência” — princípio genérico, assim já falamos — para concluir que o melhor dos resultados foi obtido pela Administração na gestão de seu acervo litigioso se, proposta a transação, as concessões projetadas em favor do contribuinte não despertarem em seu espírito o mesmo desejo, donde ressurge a pergunta: o que fazer para chegar no ponto almejado, a concretização prática da transação?
Não seria correto responder sobredita questão sem considerar que a decisão combinada de dois atores em dissenso é algo bem complexo, desafiando um certo nível de cautela — agiríamos de forma irresponsável se conduzíssemos nosso leitor para uma via simplória, desconsiderando essa complexidade a que nos referimos.
A par disso, de uma coisa não podemos nos despojar: quem opera nesse campo tão delicado só será bem sucedido — e assim ocorrerá com o Fisco, mormente quando estiver elaborando os editais relativos a transações julgadas convenientes e oportunas —, se, para além de seus valores, pensar nos que pautam sua contraparte, o sentido mais requintado de “empatia”.
Longe da reducionista e singela ideia de “colocar-se no lugar do outro”, pensamos numa “empatia” que suponha o reconhecimento, pela Fazenda, dos anseios do contribuinte, não como se delas (Fazenda) fossem, mas para que possam ser sopesados e considerados no processo de definição das vantagens preconizadas em edital — uma medida que tem um forte apelo prático, passando, por exemplo, pela apuração do nível de desconto que as situações concretas demandam, o tratamento fiscal a ser dado a esses descontos, etc.
Mais rebuscada, essa “empatia” de que falamos, princípio regente, em nosso ver, da transação, pode ser traduzida pelo dever imposto à Administração de pensar e entender os valores que são caros ao contribuinte, sem abrir mão evidentemente daqueles a que está submissa, operação que seguramente a conduzirá na direção de outro princípio, o que foi antes mencionado, da “eficiência”, um princípio de tom mais genérico como reiteradamente assentamos e que, justamente por isso, precisa de ferramental “vivo” para aflorar.
Nada disso é fácil, reconhecemos: “empatia” e derivada “eficiência” resultam de um cálculo que é, de fato, complexo, mas que ainda assim está longe de ser impossível, notadamente se a Administração estiver com olhos e ouvidos bem abertos, pronta para ver e ouvir o que se passa no seu entorno, compreendendo as demandas, sobretudo as econômicas, que dizem respeito aos contribuintes.
[1] Outros artigos sobre transação podem ser encontrados nos seguintes links:
https://www.conjur.com.br/2021-dez-05/processo-tributario-transacao-tributaria-jurisdicao-voluntaria
https://www.conjur.com.br/2022-dez-04/processo-tributario-direito-alteridade-transacao-tributaria
https://www.conjur.com.br/2022-dez-25/processo-tributario-transacao-nao-parcelamento
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Por Paulo Cesar Conrado, juiz federal em São Paulo, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito SP, professor do curso de especialização do Ibet, professor e coordenador do curso de extensão “Processo Tributário Analítico” do Ibet e coordenador do grupo de estudos de “Processo Tributário Analítico” do Ibet.
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