O sistema tributário brasileiro, estruturado na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional (CTN), constitui o alicerce da arrecadação pública, mas também representa uma das maiores fontes de complexidade jurídica e econômica do país. A Emenda Constitucional (EC) 132/2023, aprovada pelo Congresso Nacional, pretende redesenhar esse modelo, com foco na tributação sobre o consumo, introduzindo um Imposto sobre Valor Agregado (IVA-Dual) e mecanismos de simplificação que buscam reduzir distorções históricas e promover maior justiça fiscal.
A tributação, instrumento essencial de financiamento do Estado, é a base do funcionamento dos serviços públicos e da execução de políticas sociais. Entretanto, conforme destaca o estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o retorno social da arrecadação brasileira é o mais baixo entre os países com maior carga tributária. Em 2024, o Tesouro Nacional apurou que a carga representou 33,2% do PIB, colocando o Brasil no topo da América Latina. A estrutura atual, além de onerosa, é marcada pela dispersão normativa e pela regressividade da tributação sobre o consumo.
O conceito jurídico de tributo, previsto no art. 3º do CTN, define-o como prestação pecuniária compulsória instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada. Sob essa definição, a Constituição Federal de 1988 organiza cinco espécies tributárias: impostos (arts. 145, 153, 155 e 156), taxas e contribuições de melhoria (art. 145), empréstimos compulsórios (art. 148) e contribuições especiais (arts. 149 e 195). Cada modalidade possui fato gerador e finalidade próprios. Enquanto os impostos não pressupõem contraprestação estatal, as taxas e contribuições vinculam-se a serviços públicos ou finalidades específicas.
A distinção entre impostos, taxas e contribuições é central para compreender a destinação dos recursos arrecadados. O Imposto de Renda (IRPJ e IRPF) é exemplo de tributo com destinação ampla, enquanto a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) deve obrigatoriamente financiar a Seguridade Social, conforme a Lei 7.689/1988. Já taxas, como a de coleta de lixo, têm cobrança limitada à prestação efetiva ou potencial do serviço.
Os tributos também se dividem entre diretos e indiretos. O art. 166 do CTN estabelece que tributos indiretos — como ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins — são embutidos no preço de bens e serviços e repassados ao consumidor final. Os diretos, por outro lado, incidem sobre renda, propriedade ou operações financeiras, como IR, IPTU, IOF e ITCMD. Essa diferença tem impacto direto na distribuição do ônus tributário e na análise da justiça fiscal.
A estrutura federativa brasileira reparte competências tributárias entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal. A União é responsável por impostos como IR, IPI e IOF; os Estados, por ICMS, IPVA e ITCMD; e os Municípios, por ISS, IPTU e ITBI. Essa fragmentação, especialmente na tributação sobre o consumo, é apontada por especialistas como um dos principais fatores de complexidade e insegurança jurídica. A coexistência de diferentes regimes e regras de creditamento entre tributos equivalentes torna a apuração e o cumprimento das obrigações fiscais extremamente onerosos.
De acordo com o Banco Mundial (Doing Business Subnacional Brasil, 2021), as empresas nacionais gastam cerca de 1.500 horas anuais para atender às exigências tributárias, em contraste com a média de 159 horas nos países da OCDE. A cumulatividade de tributos e a “guerra fiscal” entre entes federativos agravam o problema, gerando distorções econômicas e insegurança jurídica, conforme avalia o IBPT.
A regressividade da tributação sobre o consumo, apontada por especialistas como Lucas Bevilacqua (Ibmec) e Bianca Xavier (FGV), reforça a desigualdade social: produtos essenciais, como alimentos, são tributados com a mesma alíquota para todas as faixas de renda, tornando o sistema injusto sob o prisma da capacidade contributiva. Já tributos sobre renda e patrimônio, se progressivos, têm potencial de reduzir desigualdades, mas representam parcela minoritária da arrecadação total.
Com a EC 132/2023, o Brasil inicia a transição para um novo modelo baseado no IVA-Dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados e Municípios. Essas duas exações substituirão o PIS, Cofins, ICMS e ISS, unificando regras, ampliando o creditamento e reduzindo litígios. O novo sistema será progressivamente implementado entre 2026 e 2033, conforme a Lei Complementar 214/2025, que também criou o Comitê Gestor do IBS.
A reforma também prevê a criação do Imposto Seletivo (IS), voltado a desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e veículos a combustão. Além disso, amplia a tributação patrimonial, permitindo a cobrança de IPVA sobre aeronaves e embarcações e a atualização do IPTU por decreto municipal.
Essas mudanças alinham o Brasil às práticas internacionais recomendadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aproximando o modelo nacional ao IVA europeu e afastando-se do sistema fragmentado atual. A expectativa é que a simplificação reduza o custo de conformidade e a litigiosidade tributária, tornando o ambiente de negócios mais previsível e competitivo.
Entretanto, o êxito da reforma dependerá da regulamentação complementar e da atuação coordenada entre os entes federativos. Ainda tramitam no Congresso os Projetos de Lei 2337/2021, 307/2021 e 1087/2025, que tratam da tributação sobre a renda e dos dividendos, temas sensíveis e essenciais à consolidação da justiça fiscal.
A modernização do sistema tributário brasileiro, portanto, não se limita à redução de tributos, mas busca uma reestruturação profunda na forma como o Estado arrecada e devolve riqueza à sociedade. O desafio está em equilibrar eficiência arrecadatória, segurança jurídica e equidade social — princípios que, embora expressos na Constituição, ainda aguardam plena concretização.
Fonte: https://tributario.com.br/a/reforma-tributaria-altera-bases-e-busca-simplificar-o-sistema-fiscal/