A constatação prévia na recuperação judicial: o pilar da preservação empresarial

Por Juarez Arnaldo Fernandes

A recuperação judicial é, para muitas empresas, um divisor de águas entre a possibilidade de reerguimento e o encerramento de suas atividades.

Modificado pela Lei nº 11.101/2005, o procedimento oferece ferramentas legais para que organizações em dificuldades financeiras possam se reestruturar, honrar compromissos com credores e garantir a continuidade de suas operações.

Nesse cenário, a fim de se evitar a utilização do instituto de forma fraudulenta, estabeleceu-se a possibilidade de o juiz averiguar as reais condições de funcionamento da atividade empresária (Lei n. 11.101/2005, Art. 51-A, caput), emergindo a constatação prévia como um elemento indispensável, funcionando como um diagnóstico inicial que permite ao juiz e às partes envolvidas compreenderem a real situação da empresa requerente.

Mais do que uma exigência legal, a constatação prévia é um momento de análise e verificação profunda, onde aspectos jurídicos e contábeis se unem para validar o pedido de recuperação judicial ou, então, para orientar o indeferimento do seu processamento.

É uma etapa que demanda precisão técnica, comprometimento ético e, acima de tudo, transparência, pois por meio dela, busca-se garantir que o processo seja reservado a empresas que realmente atendem aos critérios exigidos pela legislação, protegendo o equilíbrio entre os interesses dos credores e a função social da empresa.

I – O que é a constatação prévia?

A denominação Constatação Prévia se originou a partir do grupo de trabalho instituído pelo CNJ – Portaria 162/2018, criado para debater e sugerir medidas voltadas à modernização e à efetividade da autuação do Poder Judiciário nos processos recuperação judicial e falências, onde até então era usada a denominação Perícia Prévia. [1]

Assim, a constatação prévia é uma diligência inicial prevista no artigo 51-A, §3º, da Lei nº. 11.101/2005 de Recuperação e Falências (LRF) [2], destinada a verificar a viabilidade do pedido de recuperação judicial, realizada por um administrador judicial ou profissional nomeado pelo juiz, essa etapa tem como objetivo reunir informações detalhadas sobre a situação da empresa, sua operação e sua capacidade de recuperação, se configurando como um instrumento técnico de avaliação prática, indo além dos documentos apresentados no pedido.

Esse procedimento busca responder a perguntas essenciais: a empresa ainda está em funcionamento? Há condições reais de reestruturação? Os documentos apresentados são consistentes com a realidade da organização?

Para responder a essas questões, o administrador judicial ou profissional nomeado pelo juiz realiza visitas ao local, analisa documentos contábeis e financeiros, observa os processos produtivos e ouve os responsáveis pela gestão.

Mais do que um levantamento técnico, a constatação prévia é também um mecanismo de proteção contra abusos e fraudes, examinando a veracidade dos dados e a boa-fé do devedor, prevenindo que empresas inviáveis ou inexistentes utilizem a recuperação judicial como um artifício para escapar de suas obrigações, garantindo que o instituto seja utilizado de forma legítima, fortalecendo sua credibilidade e funcionalidade no ambiente empresarial.

II – A importância jurídica da constatação prévia

Sob o ponto de vista jurídico, a constatação prévia é uma etapa que fortalece a transparência e a segurança do processo de recuperação judicial.

A Lei de Recuperação e Falências exige que a empresa devedora apresente um conjunto robusto de documentos, como balanços patrimoniais, demonstrações de resultados e a relação de credores, contudo, a mera apresentação de papéis não é suficiente para atestar a legitimidade do pedido, sendo necessário verificar se essas informações refletem a realidade.

Propriamente dito, a Recomendação nº. 57 do CNJ, editada em 22 de outubro de 2019 e posterior alteração pela Recomendação nº. 112 de 20 de outubro de 2021, assim dispõem:

Art. 1o Recomendar a todos(as) os(as) magistrados(as) responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial, em varas especializadas ou não, que determinem a constatação das reais condições de funcionamento da empresa requerente, bem como a verificação da completude e da regularidade da documentação apresentada pela devedora/requerente, previamente ao deferimento do processamento da recuperação empresarial, com observância do disposto no art. 51-A da Lei no 11.101/2005

 Art. 2o Caso a constatação prévia indique a inexistência de atividade da empresa, potencial ou real, o juiz poderá indeferir a petição inicial. 

 Art. 3o Caso a constatação prévia indique a incompletude ou irregularidade da documentação apresentada com a petição inicial e o devedor não providencie a sua emenda, o juiz poderá indeferir a petição inicial. 

Assim, a constatação prévia desempenha exatamente esse papel de fiscalização e validação, sendo que, ao apresentar um relatório técnico detalhado, o administrador judicial fornece ao magistrado subsídios para decidir sobre a admissibilidade do pedido, sendo essa análise essencial para evitar que empresas em má-fé utilizem o processo como um subterfúgio para adiar o cumprimento de suas obrigações ou para mascarar fraudes.

Além disso, a constatação prévia é um instrumento de proteção aos credores, assegurando que o processo seja reservado a empresas com real potencial de recuperação, aumentando a probabilidade de que as dívidas sejam quitadas de forma justa, promovendo o equilíbrio entre os direitos dos credores e a possibilidade de reorganização do devedor, garantindo que o sistema jurídico funcione de forma eficiente e transparente.

III – A visão contábil: analisando a realidade financeira

A contabilidade desempenha um papel essencial na constatação prévia, pois é por meio dela que se obtêm as informações sobre a saúde financeira e operacional da empresa.

Para isso, é necessário seguir uma abordagem estruturada e pautada por normas técnicas e éticas, dividindo-se assim a análise contábil nos seguintes pontos principais:

III.I – O papel das demonstrações contábeis

As demonstrações contábeis são a base para a análise da situação financeira da empresa.

O balanço patrimonial apresenta um raio-x dos ativos, passivos e patrimônio líquido, destacando a estrutura financeira.

A demonstração de resultados do exercício (DRE) registra receitas, custos e despesas, permitindo avaliar o desempenho operacional.

Já a demonstração dos fluxos de caixa (DFC) oferece uma visão dinâmica das entradas e saídas de recursos, fundamentais para avaliar a liquidez.

III.II – Avaliação de liquidez e solvência

Essa etapa envolve o cálculo de índices financeiros, como os de liquidez corrente e geral, que medem a capacidade de curto prazo da empresa de cumprir suas obrigações.

Também se analisa a solvência, que avalia se os ativos são suficientes para cobrir todas as dívidas, o que é crucial em casos de alta alavancagem financeira, tendo esses indicadores oferecem uma visão clara sobre a capacidade de sobrevivência da empresa.

III.III – Fluxo de caixa e sustentabilidade operacional

O fluxo de caixa é uma ferramenta indispensável para avaliar a capacidade da empresa de manter suas operações enquanto busca se reestruturar.

Um fluxo operacional positivo demonstra que a empresa ainda pode sustentar suas atividades principais, enquanto um fluxo negativo requer atenção imediata.

Além disso, avalia-se a capacidade de investimento e a necessidade de capital de giro para garantir a continuidade operacional.

III.IV- Estrutura de endividamento

A análise do endividamento foca na natureza das dívidas da empresa. Dívidas trabalhistas, tributárias e financeiras são analisadas quanto a prazos, valores e prioridades legais.

Essa avaliação ajuda a identificar quais passivos precisam de renegociação urgente e quais podem ser incorporados ao plano de recuperação judicial.

III.V- Viabilidade econômica e projeções futuras

Por fim, o estudo de viabilidade não se realiza neste momento de análise da Constatação Prévia, cabendo como já dito, a verificação da documentação técnica da empresa e as suas realidades e condições de continuidade e funcionamento.

Esclarecedor é o posicionamento de COSTA, ao afirmar que “não é objeto da perícia prévia analisar a viabilidade do negócio. Primeiro porque é impossível atestar a viabilidade do negócio em momento tão precoce do processo. A viabilidade do negócio depende de diversos fatores que escapam a análise do juízo nesse momento preliminar. A própria decisão dos credores, na aprovação do plano de recuperação judicial, poderá viabilizar o negócio inicialmente imaginado como inviável em razão do seu alto nível de endividamento, por exemplo. Ademais, a viabilidade econômica do negócio ou da empresa é uma decisão que cabe ao mercado. São os credores que deverão acreditar na atividade empresarial em crise e na importância de sua manutenção. Não pode o juiz substituir os credores na decisão sobre a viabilidade econômica da empresa”. [3]

IV – Conclusão: um pilar de transparência e viabilidade

A constatação prévia é uma etapa indispensável na recuperação judicial, unindo análise jurídica e contábil para validar o pedido de reestruturação, sendo que, não apenas avalia a viabilidade financeira da empresa, mas também assegura que o processo seja conduzido com transparência, ética e respeito aos interesses de todas as partes envolvidas.

Com base em uma análise contábil estruturada e normas técnicas rigorosas, a constatação prévia promove a credibilidade do sistema jurídico e a proteção dos credores, ao mesmo tempo em que oferece às empresas viáveis uma oportunidade de superar crises e retomar suas atividades.

Portanto, sem dúvida, a Constatação Prévia na Recuperação Judicial é um pilar fundamental para a preservação da função social das empresas e do equilíbrio econômico.