A postergação da implantação do sistema de split payment para 2027 foi recebida com alívio por parte de representantes do fisco e especialistas em tributação. Durante a Fenalaw 2025, maior feira de negócios jurídicos do país, o tema dominou os debates sobre a reforma tributária, especialmente pela percepção de que o novo modelo exigirá uma adaptação tecnológica e operacional profunda por parte de empresas e órgãos arrecadadores.
O auditor fiscal Cesar Saito, do município de Campinas, afirmou que o adiamento é benéfico diante da complexidade do sistema. Para ele, a ausência do split payment já em 2026 — primeiro ano da transição — evitará sobrecarga administrativa e dificuldades adicionais para contribuintes e autoridades fiscais. “Seria mais uma camada de complexidade para todos os envolvidos”, observou o auditor, lembrando que a Receita Federal confirmou que o mecanismo só passará a operar efetivamente em 2027.
O split payment consiste na separação automática do valor do tributo no momento da transação, garantindo o recolhimento direto aos cofres públicos sem intermediação do contribuinte. O modelo, previsto no Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, ainda depende de regulamentação infralegal e da atuação conjunta entre a Receita e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A necessidade de cooperação entre órgãos federais, estaduais e municipais é apontada como um dos grandes desafios da fase de implementação.
Durante o painel “Os novos marcos da regulamentação”, mediado por Fernanda Valente, editora-assistente de Tributos do JOTA Pro, Saito destacou que a integração tecnológica será essencial para que o sistema funcione adequadamente, já que a reforma prevê múltiplas alíquotas e novas bases de cálculo. Segundo ele, a principal dificuldade será harmonizar a atuação de instituições que historicamente operam de forma isolada. “Cada órgão é um feudo; é preciso quebrar essa lógica para viabilizar o modelo conjunto”, afirmou.
Apesar da aprovação do PLP 108 na Câmara dos Deputados, faltam ainda o regulamento geral e as normas complementares que definirão aspectos operacionais do novo tributo. Saito ressaltou que o Comitê Gestor segue emitindo notas técnicas e revisando orientações, o que cria incerteza para contribuintes e consultores tributários. “As regras estão mudando constantemente, o que torna difícil orientar empresas sobre como proceder”, observou.
Para o auditor, a promessa de simplificação da reforma não se concretizará durante o período de transição, que deverá concentrar ajustes e revisões normativas. “Nesse estágio, não há simplificação, e sim um acréscimo de complexidade”, avaliou. Ele lembrou ainda que diversos setores, como o financeiro e o de planos de saúde, terão dificuldades específicas para adaptar suas notas fiscais ao novo modelo da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que entra em vigor em 2026.
Em outro painel dedicado exclusivamente ao tema, o tributarista Paulo Duarte, sócio do escritório Stocche Forbes, também manifestou reservas ao split payment. Ele observou que nenhum país que adota o imposto sobre valor agregado (IVA) exige a retenção do pagamento como condição para a liberação do crédito tributário. Segundo Duarte, há o risco de o mecanismo de reserva — criado para contingências quando o sistema não processar as informações em tempo real — tornar-se regra, gerando insegurança e impacto no fluxo de caixa das empresas.
O funcionamento previsto para o sistema envolve a verificação instantânea entre as bases de dados da Receita Federal, dos bancos e do Comitê Gestor. Caso a operação não seja confirmada em segundos, o tributo seria calculado automaticamente com base no valor bruto da transação. O eventual ajuste — devolução ao contribuinte da diferença — deveria ocorrer em até três dias úteis, prazo considerado inviável por tributaristas presentes ao evento.
A professora Susy Gomes Hoffmann, coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), alertou que o novo formato de pagamento alterará o equilíbrio financeiro das empresas, exigindo planejamento de gestão de caixa e novas rotinas contábeis. Segundo ela, a mudança não se limita ao aspecto arrecadatório, mas repercutirá em todo o ambiente de negócios.