FIFA, Flamengo, e responsabilidade pré-contratual

Por Gilberto Rocha Profilo

Em recente julgado o Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento quanto à extensão da boa-fé contratual bem como a possibilidade de indenização por fatos ocorridos em fase pré-contratual.

A decisão é referente à disputa entre o inventor do spray utilizado para marcação temporária de barreiras em jogos de futebol, e a FIFA (Federação Internacional de Futebol), que culminou na condenação da federação para indenizar o brasileiro.

Os julgadores entenderam que a FIFA, por ter utilizado a invenção sem compensação durante a Copa do Mundo de 2014 (sediada no Brasil), e utilizado de posição negocial vantajosa para romper as negociações referente a aquisição da patente, desrespeitou os princípios da boa – fé objetiva, e frustrou a legitima expectativa do criador.

Este posicionamento reforça o entendimento de que as Partes devem agir com boa – fé nas fases preliminares, mesmo sem qualquer documento formalizado que guie a relação. E, acima de tudo, o comportamento contraditório ou a quebra da legitima expectativa podem gerar dever de indenizar.

De igual modo, em caso recente no mundo futebolístico, o Clube de Regatas do Flamengo também participou de uma negociação frustrada envolvendo o lateral-direito Wesley e o clube italiano Atalanta, mas, diferente do caso acima, me parece não haver responsabilidade pré-contratual do clube italiano.

Em resumo, a desistência do clube italiano se deu em fase negocial, envolvendo Partes de força paritária, e a frustação da negociação se deu por discussão acerca do contrato firmado. O rubro negro carioca, após receber o contrato com os termos acordados, retornou ao Atalanta solicitando uma alteração quanto a data de liberação do jogador, pedido que foi rejeitado, e levou à descontinuidade da transação.

Os cenários, embora sejam relativos a fases preliminares à formação de um contrato, servem de contraponto para entender quando existe ou não responsabilidade pré-contratual.

A fundamentação que designou a existência de responsabilidade da FIFA no primeiro caso, teve como requisitos à inobservância do princípio da boa – fé objetiva, o fato da federação deter o controle do cenário futebolístico, portanto em posição superior ao inventor, e de ter agido para criar expectativa legitima de aquisição da patente, enquanto utilizava do invento.

A má – fé da entidade é caracterizada pela quebra de relação de confiança, e ter chancelado, indevidamente, o uso da invenção para entidades correlatas (como a Comenbol), e ter rompido a relação sem qualquer justificativa, trazendo graves prejuízos ao brasileiro.

De diferente forma, a relação entre os clubes carioca e italiano é paritária, e discutiram a venda do jogador do rubo-negro de maneira igualitária, sem qualquer indício de clara quebra da boa – fé objetiva. O relato de que o Flamengo haveria retornado ao Atalanta nova proposta. justificaria o encerramento das negociações, posto que é prerrogativa do proposto recusar novos termos.

É nítido que o reconhecimento da reponsabilidade pré-contratual advém de uma soma de fatores que precisam ser observados, tornando impossível apontar a existência de dever de indenizar sem observar os fatos da relação. Mas é plenamente possível entender os critérios que levariam à esta imputação.

A ressalva é de que a observância da boa-fé em fases de negociação favorece o ambiente de negócios, mas é preciso observar os contornos jurídicos desta etapa, e avaliar as ações tomadas com olhar crítico, em prol da transação.