A reforma tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 introduz um modelo inédito de apuração dos tributos sobre o consumo no Brasil: a apuração assistida do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Esta inovação visa alterar profundamente a relação entre o Fisco e os contribuintes, substituindo o tradicional modelo de lançamento por homologação por um sistema de apuração assistida com base em dados digitais e cooperação institucional.
Este novo mecanismo reposiciona o papel da administração tributária, que passa a atuar também como facilitadora do cumprimento fiscal, oferecendo estimativas prévias dos tributos devidos com base nas informações já disponíveis. Essa transição para um ambiente de colaboração em tempo quase real exige tanto do Estado quanto dos contribuintes investimentos em tecnologia, governança e capacitação, representando um marco na construção de um sistema tributário mais transparente, eficiente e previsível.
Segundo o articulista Marcos Pires, a apuração assistida representa a concretização prática do princípio da cooperação tributária, agora com status constitucional. Para ele, esse princípio impõe ao Estado um dever proativo de orientar e apoiar os contribuintes, promovendo simetria informacional e incentivando o cumprimento voluntário das obrigações.
A Lei Complementar nº 214/2025 introduziu a possibilidade de a administração tributária apresentar, antes do vencimento, uma estimativa de débitos e créditos, cuja confirmação — expressa ou tácita — pelo contribuinte constitui o crédito tributário. Esse modelo, denominado de “lançamento por declaração assistida”, traz repercussões também sobre os prazos de decadência e prescrição.
Inspirado em práticas internacionais de “cooperative compliance”, o novo regime propicia maior segurança jurídica, redução da litigiosidade e ambiente mais favorável ao investimento, desde que acompanhado de investimentos estatais em interoperabilidade de sistemas e qualificação dos dados, além de robusta governança tributária por parte das empresas.
Já para as autoras Pâmela Larissa Miguel e Waleska Lemos Morais, a principal inovação do modelo está na centralização e digitalização do processo de apuração via a chamada “nuvem soberana” do governo, acessível a todos os envolvidos — Fisco, empresas e consumidores. No centro do novo sistema está o Registro da Operação de Consumo (ROC), que documentará cada transação e calculará automaticamente os tributos devidos.
Segundo as articulistas, essa estrutura promete reduzir drasticamente a burocracia, atualmente estimada em 1.400 horas por empresa ao ano, ao mesmo tempo em que aumenta a transparência e a rastreabilidade fiscal.
Contudo, existem os desafios operacionais: a veracidade dos dados segue sob responsabilidade do contribuinte, sendo necessário alto grau de acurácia nas informações transmitidas, além da adaptação tecnológica dos sistemas internos para lidar com o novo formato de apuração por operação.
Assim será necessário um alto grau de maturidade institucional para a efetividade da apuração assistida. Isso porque, de um lado, a administração tributária deve garantir a integridade dos dados, atualizações regulares e suporte técnico. De outro, os contribuintes precisam adotar práticas rigorosas de compliance, integração de sistemas e controle de riscos, sob pena de autuações decorrentes de inconsistências ou omissões.
A implementação do novo regime e a resolução de diversas variáveis será decisiva para o sucesso dessa transformação. Ainda que a promessa de desburocratização, previsibilidade e justiça tributária seja alvissareira, o processo exige preparação cuidadosa, testes prévios e capacitação intensiva. Trata-se de um avanço institucional relevante, mas que dependerá de atuação coordenada entre setor público e privado para que seus benefícios sejam plenamente realizados.