A implementação do Módulo de Integração de Tributos (MIT) pela Receita Federal do Brasil em 2025 marcou um novo capítulo na rotina tributária dos contribuintes e de suas assessorias. Integrado à DCTFWeb, o MIT trouxe a promessa de racionalização e eficiência na apuração dos tributos federais. Porém, essa mudança estrutural também acendeu um alerta: quais são os reflexos práticos dessa nova sistemática para a aplicabilidade do instituto da denúncia espontânea, previsto no artigo 138 do Código Tributário Nacional?
O que antes era uma rotina previsível de apuração interna na DCTF tradicional, passou a exigir maior precisão temporal. Com o MIT, a confissão do débito é feita de forma praticamente automática, no momento em que o contribuinte finaliza a apuração e transmite a DCTFWeb, com a emissão do DARF para pagamento diretamente pelo sistema, vinculando à declaração ao pagamento do tributo.
Ocorre que essa com essa nova sistemática foi antecipado o marco da confissão e, por consequência, reduziu drasticamente o tempo hábil para que se configure validamente a denúncia espontânea. A questão central passou a ser o momento do pagamento: se ele ocorre com a confissão no MIT/DCTFWeb com a emissão do DARF concomitantemente, já não há mais espontaneidade a ser invocada, existindo ainda possibilidade de retificação pelo próprio MIT, gerando, entretanto, o apontamento da multa e dos juros na conta corrente fiscal do contribuinte.
Apesar disso, o instituto não foi revogado ou suprimido. Ele continua vigente e aplicável, desde que observados com rigor os seus requisitos: pagamento prévio à confissão do débito, ausência de procedimento fiscal instaurado e confissão espontânea por parte do contribuinte. O grande desafio passou a ser operacionalizar esse cumprimento dentro da janela temporal, agora bastante estreita, imposta pelo novo fluxo do MIT.
Nesse contexto, uma solução estratégica para permitir a aplicação do instituto é a emissão de DARF avulso, gerado antes do encerramento da apuração no MIT e transmissão à DCTFWeb. Essas guias ainda podem ser emitidas por sistemas internos ou pelo SicalcWeb da Receita Federal, e, uma vez quitadas, permitem ao contribuinte declarar posteriormente o débito na DCTFWeb, invocando a denúncia espontânea para afastar a multa de mora.
A nova sistemática tem trazido confusão operacional, já que, na prática contábil acredita-se que as guias dos débitos só podem ser emitidas para pagamento após a consolidação na DCTFWeb, contudo, esse cronograma inviabiliza a possibilidade de utilização da denúncia espontânea pelo contribuinte.
Grande parte dos escritórios contábeis realiza a apuração diretamente no MIT e, em seguida, gera o DARF e confessa o débito simultaneamente. Esse modelo é mais prático, mas elimina a possibilidade de se valer da denúncia espontânea, especialmente em casos de débitos omitidos, apurações equivocadas ou valores complementares.
A legislação, jurisprudência e o entendimento recente da Receita Federal, tal como manifestado na Solução de Consulta Interna COSIT nº 7 de 27 de dezembro de 2024, indicam que o pagamento prévio, desde que vinculado corretamente ao débito declarado, e antes de qualquer procedimento fiscalizatório, é válido e juridicamente eficaz. Na referida COSIT também consta o entendimento da Receita que os débitos declarados a menor, quando objeto de denúncia espontânea, deve ter o pagamento complementar, isto é, da diferença do tributo e dos juros, realizado em espécie, e não por compensação.
Outro alerta importante é sobre os cuidados adicionais que devem ser adotados diante de uma eventual retificação do MIT. Embora o sistema permita correções, essas operações geram, por regra, a incidência de juros e multas. O contribuinte que desejar evitar tais penalidades deve atuar antes da retificação, promovendo o pagamento integral do tributo com os devidos juros, e depois comunicando formalmente à Receita Federal a configuração da denúncia espontânea.
Adicionalmente, destaca-se a importância da formalização do procedimento: apenas pagar o DARF avulso não é suficiente se a obrigação acessória, ou seja, a DCTFWeb, não for devidamente ajustada. A denúncia espontânea não exclui multas por omissão ou inexatidão declaratória. Por isso, mesmo que a empresa prefira não pagar a multa de imediato, é imprescindível que retifique a declaração e, em paralelo, protocole o pedido de afastamento da penalidade com base no artigo 138 do CTN.
Dessa forma, ainda que o MIT represente um avanço tecnológico e operacional, ele também impõe uma nova lógica de apuração fiscal, mais célere e automatizada e, por isso mesmo, mais restritiva quanto à espontaneidade do contribuinte. A estratégia tributária agora deve incluir o monitoramento cuidadoso dos prazos, o alinhamento entre as áreas contábil, fiscal e de Compliance, com a análise criteriosa de cada situação, especialmente nos casos que envolvem valores expressivos e dúvidas na apuração.
A denúncia espontânea, portanto, ainda é possível. Mas a aplicação do instituto exige conhecimento profundo da nova sistemática e, sobretudo, agilidade e planejamento. Mais do que nunca, o Compliance fiscal deve caminhar lado a lado com a inteligência tributária e a cultura da prevenção.