A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) aposta que as transações tributárias voltadas a teses de alta litigiosidade, em especial a desmutualização das bolsas e as bonificações comerciais, terão grande adesão dos contribuintes. As duas matérias constam entre os cinco editais atualmente abertos no Programa de Transação Integral (PTI), cujo objetivo é fomentar a regularização de débitos em meio à indefinição jurisprudencial. A meta conjunta da PGFN e da Receita Federal para 2025 é de R$ 30 bilhões, sendo que, até o momento, o programa já resultou em aproximadamente R$ 10 bilhões arrecadados, a partir de R$ 22 bilhões negociados.
Segundo a procuradora-geral adjunta de representação judicial da PGFN, Raquel Godoy, a combinação de elevado valor em disputa, ausência de posicionamento definitivo nos tribunais superiores e precedentes desfavoráveis no âmbito administrativo tende a impulsionar a procura pelas modalidades de transação. A avaliação é de que o risco judicial e a instabilidade interpretativa reforçam o interesse dos contribuintes em encerrar litígios mediante condições mais previsíveis.
No plano jurisprudencial, a questão da desmutualização ainda não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF), estando restrita a decisões dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O tema envolve a tributação pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre o ganho de capital decorrente da conversão de títulos patrimoniais em ações no processo que transformou Bovespa e BM&F em sociedades anônimas, bem como a incidência de PIS e Cofins sobre a alienação posterior desses papéis. No Carf, a 1ª Turma da Câmara Superior consolidou a tese de que houve ganho de capital sujeito a IRPJ e CSLL, enquanto a 3ª Turma entendeu que a venda das ações caracteriza receita tributável para fins de PIS e Cofins, tornando o cenário adverso para os contribuintes.
Já no debate das bonificações, a controvérsia alcançou o STJ, mas ainda sem uniformização em sede de seção. A 2ª Turma decidiu, no REsp 2.090.134, que apenas os descontos incondicionais expressamente destacados em nota fiscal podem reduzir a base de cálculo do PIS e da Cofins. Em sentido diverso, a 1ª Turma, ao julgar o REsp 1.836.082, reconheceu que descontos comerciais condicionados não configuram receita tributável do varejista. No âmbito do Carf, prevalece a visão de que bonificações atreladas a contrapartidas como reembolso de distribuição, garantia de margem e abertura de lojas não se enquadram como descontos incondicionais. A PGFN avalia que a elevada disseminação dessa matéria, somada ao alto valor agregado, reforça o potencial de adesão ao edital.
Além das duas teses centrais, a PGFN abriu editais envolvendo participação nos lucros e resultados (PLR), preço de transferência e stock options. Sobre este último, a atratividade é considerada menor, em razão do julgamento do Tema 1.226 pelo STJ, que firmou a natureza mercantil dos planos e determinou a incidência de Imposto de Renda Pessoa Física apenas na revenda das ações com ganho de capital. Apesar da baixa adesão ao primeiro edital, o segundo, que abrange contribuição previdenciária sobre stock options, pode despertar maior interesse. O tema foi afetado como repetitivo no REsp 2.070.059/SP, ainda sem data para análise pela 1ª Seção do STJ, o que abre espaço para rediscussões acerca do caráter remuneratório dos planos.
No caso do preço de transferência, a indefinição entre as turmas do STJ sustenta o lançamento do edital. No AREsp 511736/SP, a 1ª Turma considerou que a Instrução Normativa SRF nº 243/2002 extrapolou a Lei nº 9.430/1996 e majorou a carga tributária, enquanto no REsp 1.787.614 a 2ª Turma entendeu que a norma apenas detalhou a legislação, sem aumentar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. No Carf, a posição já se consolidou contra os contribuintes, com súmula que determinou a inclusão de frete, seguro e tributos na composição do preço praticado para comparação com o preço parâmetro pelo método PRL, regra que vigorou até a edição da Medida Provisória nº 563/2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.715/2012.
A escolha das teses para inclusão no PTI, segundo a PGFN, observa critérios de relevância econômica mínima de R$ 1 bilhão, ampla disseminação nos tribunais e indefinição jurisprudencial. Tais balizas explicam a exclusão de matérias como PIS e Cofins sobre conceito de faturamento ou insumos, cuja amplitude e ausência de delineamento inviabilizam a formatação de um edital.
O cronograma vigente se limita a 2025 e não há previsão de novos editais até dezembro. Para 2026, a expectativa é de que o programa seja retomado, mas os temas ainda não foram definidos. Questões como Juros sobre Capital Próprio (JCP), pejotização e a incidência de PIS/Cofins em hipóteses de segregação empresarial para quebra da cadeia monofásica permanecem como possibilidades futuras, condicionadas à evolução jurisprudencial, em especial ao posicionamento do STF sobre a pejotização.
Na avaliação da procuradora Raquel Godoy, a transação tributária se fortalece justamente em cenários de incerteza judicial, funcionando como alternativa para reduzir litígios e assegurar arrecadação. O histórico de adesão a editais anteriores, como o que tratou de ágio, confirma essa tendência, dado que a indefinição entre as turmas do STJ estimulou a procura dos contribuintes pela via da transação.
Com isso, a PGFN quer utilizar a estratégia de utilizar o PTI como instrumento de política fiscal, equilibrando segurança jurídica e eficiência arrecadatória. A expectativa é que, até o final de 2025, a meta de R$ 30 bilhões seja atingida, impulsionada pelos editais de maior impacto financeiro, notadamente os de desmutualização e bonificações.