Por Eurípedes Augusto da Silva
O artigo analisa se as inovações introduzidas pela lei 14.112/20 ao Dip Financing no Brasil foram suficientes para fomentar o crédito às empresas em crise, à luz da comparação com o modelo dos EUA.
1. Introdução
O DIP Financing (Debtor-in-Possession Financing) é um instrumento essencial para viabilizar a recuperação judicial de empresas em crise econômico-financeira, possibilitando a injeção de novos recursos para manter a atividade empresarial. O crédito assume papel central nesse processo, pois empresas em crise frequentemente enfrentam grave escassez de liquidez, tornando o financiamento uma alternativa fundamental para reestruturar operações e cumprir planos de recuperação. Contudo, a ausência de incentivos robustos e de segurança jurídica adequada, pode limitar ou até inviabilizar a oferta de crédito, comprometendo o sucesso do processo recuperacional.
A lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência, foi reformada pela lei 14.112/20, a qual inseriu a seção IV-A (arts. 69-A a 69-F) com o objetivo de disciplinar o DIP Financing no ordenamento jurídico brasileiro. Embora a reforma tenha trazido avanços, como a melhoria da preferência (extraconcursalidade) dos créditos concedidos e uma maior proteção jurídica, ficaram aquém do ideal, especialmente quando comparado ao modelo norte-americano, onde legislação robusta, com Judiciário técnico, jurisprudência consolidada e um mercado secundário de empréstimos dinâmico favorecem a atratividade do financiamento.
O presente artigo tem por objeto analisar se as inovações introduzidas pela lei 14.112/20 foram suficientes para estimular o DIP Financing no Brasil. No decorrer deste estudo será evidenciado que ocorreram melhorias com a reforma no que tange ao financiamento de empresas em crise, todavia, as medidas implementadas se mostraram tímidas, ensejando em incentivos e garantias ainda insuficientes para estimular tanto os credores existentes, quanto novos investidores, mantendo o ordenamento jurídico brasileiro ainda distante de alcançar a eficiência e robustez observada no modelo norte-americano.
2. A importância do crédito na recuperação judicial
O acesso ao crédito é fundamental para as empresas que enfrentam uma situação de recuperação judicial, tendo em vista que, em regra, tais empresas se deparam com severas restrições de caixa que comprometem sua capacidade de operar regularmente e de cumprir suas obrigações. Sem novos recursos financeiros, torna-se inviável a manutenção das atividades empresariais e, por conseguinte, a própria finalidade da recuperação judicial fica comprometida.
A concessão e o consequente acesso ao crédito estão intimamente ligados à confiança que o financiador deposita na empresa em crise e à segurança jurídica proporcionada pelas normas aplicáveis. Para que um financiador ou investidor decida aportar seus recursos em uma empresa em recuperação, ponderados os riscos envolvidos, é essencial que perceba garantias eficazes e que encontre um ambiente jurídico estável e previsível. É justamente em relação a estes pontos que, oportunamente, serão vistos com mais detalhes, onde houve uma sensível melhora com o advento da reforma promovida pela lei 14.112/20, ao proporcionar maior garantia e segurança aos potenciais financiadores ou investidores, com a inserção dos arts. 69-A a 69-F, inclusive, com isso, visando estimular a oferta de crédito que, como será visto adiante, é importantíssima para a atividade empresarial e vital para a recuperação das empresas em crise.
Nesse sentido, ao conceituar o crédito e tratar de sua importância para a atividade empresarial, Tomazette assevera:
O crédito representa, em uma ideia geral, a confiança no cumprimento das obrigações, o que facilita extremamente as transações comerciais, que nem sempre representam trocas imediatas de valores. Sem o crédito, a atividade empresarial não teria chegado ao nível atual de desenvolvimento. Foi ele que permitiu a expansão e o desenvolvimento das principais atividades econômicas existentes no mundo moderno.
Tomazette arremata o seu entendimento acerca do conceito de crédito ao aduzir que:
A palavra crédito deriva do latim creditum, que por sua vez advém de credere, que significa confiar, ter fé. Assim sendo, o crédito representaria a confiança que alguém desperta em outrem. Daí dizer que determinada pessoa tem crédito, no sentido de que essa pessoa desperta a confiança.
Em consonância com o entendimento de Tomazette, quanto ao conceito e importância do crédito, Ramos afirma que “[…] o crédito, que consiste, basicamente, num direito a uma prestação futura que se baseia, fundamentalmente, na confiança (elementos boa-fé e prazo), surgiu da constante necessidade de viabilizar uma circulação mais rápida de riqueza do que a obtida pela moeda manual” e que “o crédito, ao conseguir fazer com que o capital circule, torna-o extremamente mais produtivo e útil”.
Como visto, a existência da segurança e, consequentemente, da confiança é algo fundamental para que o crédito possa ser disponibilizado e, conforme será visto adiante, a lei 11.101/05, antes da reforma promovida pela lei 14.112/20 pecava nesse sentido, porém, com a inclusão da seção IV-A na hodierna lei, como será visto, essa carência começou a ser sanada.
No que diz respeito à sua importância, não restam dúvidas de que o crédito é componente essencial para o desenvolvimento e manutenção da atividade empresarial. Nesse sentido, Dias pondera que “por possuir um elemento intertemporal que permite a antecipação do futuro, o crédito torna as relações comerciais mais rápidas e dinâmicas, catalisando o desenvolvimento econômico”. Ao arrematar o seu entendimento, Dias complementa:
Indubitavelmente, é difícil imaginar o exercício e o desenvolvimento da atividade empresarial nos dias de hoje sem a participação do crédito, viabilizado em grande parte pelas instituições financeiras, principais agentes intermediadores de recursos entre poupadores e tomadores.
Ainda sobre a importância do crédito na vida empresarial, Dias destaca que “[…] o caso das empresas em crise é peculiar, pois sua condição faz pressupor que ela não pode pagar suas dívidas, mas que ao mesmo tempo precisa de recursos em caráter de urgência”. Neste mesmo sentido, assevera Sacramone:
Para que possa manter sua atividade empresarial, com o pagamento de seus fornecedores, empregados, contratos de aluguel ou demais serviços essenciais, notadamente diante de uma situação de iliquidez, a concessão de novo crédito poderá ser fundamental ao empresário em recuperação judicial.
Alinhado com o entendimento de eminente autor supracitado, Dias afirma:
[…] para manter os negócios, a empresa deve ter acesso a recursos que lhe permitam pagar fornecedores de produtos e serviços que sejam essenciais, bem como pagar trabalhadores, seguros, aluguéis, prestadores de serviços e outras despesas operacionais, além dos custos associados diretamente à preservação do valor dos ativos e das despesas do próprio processo de recuperação judicial.
Em linha com todo o acima exposto, ao arrematar o seu entendimento, reiterando, a exemplo dos supramencionados autores, a importância do crédito para as empresas em crise e reafirmando também a exemplo do que já foi dito, a necessidade da segurança que deve existir para estimular os financiadores, Sacramone conclui:
A concessão de novos créditos por instituições financeiras ou investidores é essencial para o desenvolvimento das atividades empresariais da recuperanda. Contudo, esses novos contratos poderiam ser obstados diante do risco financeiro do negócio jurídico. Consciente da crise econômico-financeira que já acomete o devedor, o credor poderia não ter interesse econômico em celebrar o novo negócio em virtude da maior probabilidade de inadimplemento ou da decretação da falência do devedor.
Com as excelentes ponderações dos autores supracitados, pode-se chegar facilmente à conclusão de que, se para uma empresa em estado de normalidade, que não está enfrentando nenhum problema ou risco iminente que ameace a continuidade de sua atividade, o acesso ao crédito é de grande importância, para as empresas em crise o referido acesso se reveste de vital importância. Além disso, percebe-se que a oferta de crédito mantém intrínseca relação com a presença de aspectos de segurança e de confiança para que o financiador ou investidor se sinta estimulado e seguro para disponibilizar recursos à empresa, especialmente diante de uma situação de recuperação judicial.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/432747/dip-financing-no-brasil-evolucao-com-o-advento-da-lei-14-112-20