Dos princípios constitucionais tributários a partir da Emenda Constitucional nº 132, de 2023

Por Letícia de Mello e Marciano Buffon

 

A constitucionalização dos princípios transformou o fundamento de criação e interpretação de todo o direito. Se a sua função normogenética vem a significar que eles são sempre o supedâneo das regras, pode-se afirmar que uma que viole implícita ou explicitamente um princípio é, como uma consequência, inconstitucional. Essa é a importância da distinção entre vigência e validade, de que fala Lenio Luiz Streck [1].

Nesse sentido, cumpre analisar, num primeiro momento, quais foram os princípios tributários que a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, inseriu no texto constitucional, em seu artigo 145, §3º, desnudando-se os seus pormenores.

Foi o artigo 1º, da Emenda Constitucional nº 132, de 2023, que inseriu os §§3º e 4º ao texto da Constituição de 1988, mediante os seus acréscimos ao artigo 145. Ao todo, foram inseridos seis princípios ao texto constitucional, sendo eles o princípio da simplicidade, o princípio da transparência, o princípio da justiça tributária, o princípio da cooperação, o princípio da defesa do meio ambiente e o princípio que visa atenuar os efeitos regressivos.

Princípio da simplicidade

O princípio da simplicidade traduz uma maior fluidez do sistema tributário. Historicamente, o Brasil é tido como um dos países cujo custo de conformidade é o mais alto. Para tanto, basta se pensar na pluralidade de legislações atinentes ao ICMS e ao ISS. Um levantamento “por cima” dá conta de que atualmente existem, além de 27 legislações atinentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, incluso neste número o Distrito Federal, em torno de 5.570 legislações municipais que tratam do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

A pluralidade de legislações e de regimes especiais e diferenciados não apenas aumentam o custo de conformidade, mas também tornam o Brasil um dos países mais complexos em termos de legislação tributária, implicando, além de insegurança jurídica, uma alta litigiosidade, como não poderia ser diferente.

Com o objetivo de modificar este cenário, um consectário do princípio da simplicidade, e que tem um desenho também constitucional, é a atribuição de competência aos entes, esta delineada no texto constitucional, para a criação de dois novos tributos que substituirão, findo o prazo de transição, o ICMS e o ISSQN. Trata-se do novel IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que já foi instituído pela Lei Complementar nº 214, de 2025.

Além dele (IBS), a Constituição atribuiu competência à União para instituir a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que substituirá o PIS e a Cofins, contribuições que hoje, devido às suas peculiaridades, geram infinitas discussões e compõem o acervo de litígios que abarrotam o Poder Judiciário.

Instituição do IBS

Além da unificação dos tributos, outra importante alteração constitucional foi na competência para a instituição do IBS.

Ao passo em que a competência para instituir o IBS, na forma daquilo que dispõe o artigo 156-A, inciso IV, da Constituição, é da União, mediante uma única legislação uniforme, tem-se uma simplificação na legislação tributária, ainda que os estados e os municípios mantenham a autonomia para legislarem sobre as respectivas alíquotas.

A essência do princípio da simplicidade é erigir um sistema tributário cujas regras sejam de fácil apreensão, de forma que se possa diminuir a complexidade do sistema tributário e, como uma consequência, superar-se o alto custo de conformidade e a constante judicialização de questões tributárias que, por sua feição constitucional, desaguam no Supremo Tribunal Federal e levam muitos anos para serem decididas, causando insegurança jurídica e ausência de previsibilidade negocial.

Outrossim, a ideia de transparência já estava inserida no texto constitucional antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº 132, de 2023, no artigo 150, §5°, no qual se dispõe que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidem sobre as mercadorias”. Essa previsão ensejou, inclusive, a edição da Lei nº 12.741, de 2012, que dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor, incluindo o valor de tributos pagos ao Estado.

Contudo, apesar dessa previsão, a realidade demonstra que dificilmente diante da complexidade do atual sistema, que ainda não entrou em transição, seja possível chegar ao real valor que se está pagando a título de tributação, sobretudo devido à atual metodologia de cálculo, nominada por alguns autores de “cálculo por dentro”.

Transparência na tributação

Assim, mais do que informar o tributo de cada operação, o sistema tem que oferecer mecanismos que tornem o cálculo do tributo mais apreensível, possibilitando que os cidadãos consigam compreender como a autoridade tributária ou os sistemas informáticos chegaram a tais valores.

Isso porque, não se pode olvidar, a transparência vai além da mera informação. Antes de tudo, ela pressupõe mecanismos que facilitem o acesso e a apreensão das informações pelo cidadão, viabilizando a sua tomada de decisão e o exercício do seu direito de fiscalizar a atividade estatal enquanto membro de uma sociedade democrática.

É nesse sentido que a simplificação e a transparência se unem para possibilitar o acesso, pelo contribuinte, aos valores que estão sendo pagos a título de tributação. Nesse passo, alguns mecanismos do sistema IVA se mostram potencialmente positivos, como é o caso do novo sistema de “cálculo por fora”, que tornará apreensível ao contribuinte final o valor pago a título de tributos, além da ampla base de incidência e do novo sistema de creditamento que, por serem mecanismos  mais simplificadores, conferem fidedignidade na apuração do valor que o contribuinte realmente está pagando a título de tributação.

Princípio da justiça tributária

Por sua vez, o princípio da justiça tributária está intimamente relacionado ao disposto no artigo 3º, da Constituição, pois a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos passa necessariamente por uma tributação justa.

Deve-se ter em mente que, ao mesmo tempo em que o Estado deve recolher tributos para poder viabilizar, além de sua existência e funcionamento, o custeio de políticas públicas sociais, ele não pode tributar de forma injusta ou desproporcional os seus cidadãos. Logo, o princípio da justiça tributária visa a alcançar esse meio termo, que é o justo: uma tributação que respeite os limites constitucionais ao poder de tributar e que, ao mesmo tempo, redistribua riqueza, não implique efeitos regressivos e implemente políticas públicas fiscais efetivas.

Não se pode olvidar que a tributação está intimamente ligada com a dignidade da pessoa humana. Uma tributação justa (que não seja regressiva, que não tribute mínimo vital e que respeite efetivamente a capacidade contributiva) e eficiente (que arrecade da forma mais transparente e menos burocrática o possível e que geste políticas tributárias que transformem a realidade social) é um pressuposto em Estado democrático de direito.

Já o princípio da cooperação vem a significar uma dever de colaboração entre a autoridade fiscal e o contribuinte e deriva das modernas teorias compositivas. Essa ideia, agora constitucionalizada por meio deste princípio, já era discutida no âmbito acadêmico, por inúmeros autores. São exemplos práticos de um estimulo colaborativo o Projeto de Lei n° 2.486, de 2022, que dispõe sobre a arbitragem em matéria tributária e aduaneira.

Princípio da defesa do meio ambiente

Encerrando-se a análise do artigo 145, §3º, da Constituição, tem-se o princípio da defesa do meio ambiente. A previsão explicita deste tributo alinha o Brasil às diretrizes da OCDE, que buscam alinhar a tributação a um objetivo de sustentabilidade ambiental, seja por meio de incentivos ao uso de tecnologias e produtos menos poluentes, seja mediante uma tributação mais alta aos produtos nocivos ao meio ambiente.

Por fim, para finalizar o presente ensaio, cumpre analisar o artigo 145, §4º, da Constituição. Trata-se do princípio que veda a regressividade fiscal. Segundo seu enunciado, as alterações na legislação tributária buscarão atenuar efeitos regressivos.

Na verdade, o artigo 153, inciso III, §2º, inciso I, já previa a progressividade como critério a informar o imposto de renda. Contudo, por ser a dignidade humana o núcleo axiológico do direito, compreende-se que todo o sistema tributário deve funcionar para que os efeitos da regressividade não violem o mínimo existencial do contribuinte.

Nesse ponto, deve-se rememorar que a tributação sobre o consumo é uma das mais severas, não apenas por se tratar de um tributo indireto, que é repassado ao contribuinte, mas porque a sua base de incidência é uma das mais oneradas, conforme se depreende da tabela abaixo, extraída de uma estudo realizado pelo Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros (CETAD), da Receita Federal[2]:
Assim, uma vez analisados os princípios inseridos na Constituição Federal por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional nº 132, de 2023, cumpre, no último tópico, cabe seguir analisando, como já se fez em estudos prévios, a conformidade das regras contidas na Lei Complementar nº 214, de 2025 e o arcabouço principiológico constitucional [3].

[1] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 284-285.

[2] Disponível aqui. 2025.

[3] Artigo nosso que analisa a conformidade da LC 214, de 2025, ao arcabouço principiológico-constitucional: aqui

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-mai-08/um-breve-panorama-dos-principios-constitucionais-tributarios-a-partir-da-emenda-constitucional-no-132-de-2023/