IMPACTOS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR: ENTRE A GARANTIA DO ACESSO E A SUSTENTABILIDADE DO SETOR

Por Lila Ribeiro Conde Domingues

Diariamente, beneficiários têm recorrido ao judiciário buscando a cobertura de tratamentos, medicamentos e demais procedimentos que, muitas vezes, não constam no Rol de Procedimentos da ANS, responsabilizando e onerando o planejamento das operadoras de saúde no Brasil, que, por sua vez, respondem a uma regulamentação restrita. Justamente por essa razão, a crescente judicialização para o setor de saúde suplementar tem sido um grande desafio enfrentado nos últimos anos.

Essa realidade impacta significativamente a sustentabilidade dos planos e, consequentemente, todo o sistema de saúde suplementar, que como já diz o nome, trata-se de um suporte ao Estado, que por sua vez, tem de fato o dever de dispor do direito à saúde a toda a população brasileira.

Os contratos de planos de saúde possuem regulamentação especifica prevista na Lei 9.656/98, que estabelece obrigações mínimas para as operadoras. Esta relação por sua vez, necessita de equilíbrio entre as partes, uma vez que o beneficiário paga um valor mensal e, em troca, a operadora dispõe de acesso a um conjunto de serviços definidos em contrato, ou seja, a assistência à saúde.

Além da legislação que rege tais contratos, há também a Agência Nacional de Saúde Suplementar, sendo o órgão que regula os planos de saúde do Brasil. Uma de suas funções é definir o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, isto é, uma lista de coberturas obrigatórias para os planos. A elaboração desse rol tem como base critérios técnicos, científicos e econômicos, justamente para garantir que os planos ofereçam o que é essencial, seguro e viável economicamente.

Pelas definições impostas por ambos institutos, resta claro a necessidade de previsibilidade serviços, pois dessa forma os planos conseguem calcular os riscos e manter a rede assistencial, controlando custos.

Em contrapartida, quando há a judicialização e decisões judiciais determinam que o plano cubra algo que está fora desse escopo, seja por não constar no Rol da ANS ou pelo beneficiário ainda não ter cumprido determinado prazo de carência, cria-se um problema sério: a lógica do contrato é quebrada, gerando um custo extra que pode impactar todos os usuários.

Veja, os contratos de plano de saúde são baseados no princípio do mutualismo, com os custos aumentam de forma imprevisível, os reajustes também se tornam inevitáveis e, consequentemente, o acesso à saúde privada, fica cada vez mais restrito.

Significa, então, que além de não ser aleatória, a sustentabilidade é um ponto crucial para que o setor de saúde suplementar consiga se manter funcional dentro do regramento. Assim, por haver restrições – necessárias – no Rol, muitos tratamentos estão sendo exigidos judicialmente, gerando uma distorção, em vista dos planos de saúde terem, cada vez mais, arcado com tratamentos no geral que não estão previstos nem contratualmente, nem atuarialmente.

A natureza do Rol da ANS foi objeto de importante decisão do Superior Tribunal de Justiça em 2022. Na ocasião, o STJ definiu o rol como taxativo, desobrigando as operadoras da cobertura de tratamentos não listados. Todavia, o próprio tribunal estabeleceu exceções, criando o que se conhece como ‘rol taxativo mitigado

Acontece, no entanto, que apesar do entendimento acima valorizar a função técnica da ANS e a necessidade de cumprimento por parte das operadoras, há uma “brecha” para que sejam exigidas coberturas fora do rol, utilizando-se, muitas vezes de forma arbitrária, de certos critérios, como a ausência de tratamento substitutivo ou comprovação científica da eficácia do procedimento, para forçar as operadoras a custear tais tratamentos.

E como isso impacta a realidade atual? Gera insegurança ao setor, pois cada juízo interpreta os critérios de forma diferente, criando um cenário imprevisível para as operadoras, mesmo havendo o entendimento da Corte Superior quanto ao assunto.

O fenômeno da alta judicialização tem contribuído para o aumento das mensalidades, que pode impossibilitar que muitas pessoas deixem de ter acesso à saúde suplementar, por não terem condições de arcar com os custos, ou seja, o movimento desenfreado de compelir os planos de saúde a cobrir todo tipo de tratamento não previsto pode acabar ocasionando aquilo que se tenta proteger: o acesso à saúde.

O que se conclui dessa sequência é que a relação de saúde se transforma em uma disputa comercial, pois o plano de saúde vira o “financiador”, mesmo que forçado, de interesses privados, no caso, das pretensões dos beneficiários.

E, reforça-se, as negativas, quando ocorrem, não são por mero capricho do plano de saúde, mas baseadas nos termos contratuais, nas regras da ANS e avaliações técnicas, tendo por objetivo garantir a melhor assistência possível, dentro dos parâmetros sustentáveis para o setor.

O crescimento e o impacto da judicialização na saúde suplementar é um assunto delicado, que demanda ponderação e comprometimento de todos os interessados, vez que não se trata de impedir direitos, mas de garantir que poderão ser exercidos dentro das regras claras e sustentáveis estabelecidas para o setor das operadoras de saúde.

Percebe-se que para as operadoras o desafio é conciliar a assistência de qualidade, tendo previsibilidade jurídica e financeira, lado outro, para os beneficiários, é fundamental que se entenda que o sistema só pode continuar funcionando se houver respeito aos limites técnicos e contratuais.

A busca por esse equilíbrio é o caminho mais eficaz para a garantia de que cada vez mais a população tenha acesso à saúde suplementar, sendo uma alternativa viável e acessível.