Por Samira Gramilich
A utilização da inteligência artificial (IA) no âmbito contratual tem se intensificado de maneira exponencial, impactando desde a análise de grandes volumes de dados para identificação de padrões de inadimplemento (IA preditiva), passando pela automação de redação de cláusulas com base em modelos anteriores (IA generativa), até a interpretação de riscos contratuais por meio de sistemas de machine learning (IA analítica). Essas ferramentas não apenas otimizam processos e reduzem custos, mas também têm modificado a forma como contratos são concebidos, negociados, executados e fiscalizados.
Embora a eficiência seja um dos grandes trunfos da IA, seu uso nos contratos exige atenção redobrada do ponto de vista jurídico. Isso porque a aplicação de modelos algorítmicos pode interferir em princípios fundamentais do Direito Contratual, como a autonomia da vontade, o equilíbrio entre as partes e a boa-fé objetiva. Sistemas alimentados por dados enviesados ou incompletos podem reproduzir distorções, resultando em decisões contratuais injustas ou mesmo discriminatórias.
Além disso, a opacidade de muitos algoritmos — frequentemente descrita como “caixa-preta algorítmica” — dificulta a auditoria das decisões automatizadas. Essa característica representa um desafio direto à transparência contratual e à possibilidade de revisão judicial, especialmente quando cláusulas são geradas ou executadas sem a compreensão total das partes envolvidas.
No plano prático, é essencial que a utilização de IA nos contratos seja acompanhada por uma governança robusta: cláusulas contratuais devem prever expressamente o uso de ferramentas de IA, especificar suas finalidades e limitar sua atuação em pontos críticos que exijam julgamento humano. Ainda, o consentimento informado das partes sobre a adoção de mecanismos automatizados deve ser garantido, sob pena de vício de vontade.
Nesse contexto, o profissional do Direito assume um papel estratégico. Mais do que intérprete da norma, o jurista passa a ser um agente de controle ético e técnico da interação entre Direito e tecnologia. É ele quem deve avaliar os riscos, exigir transparência algorítmica e garantir que os princípios constitucionais e contratuais sejam respeitados, mesmo diante de sistemas inteligentes e autônomos.
Por fim, o uso responsável da IA em contratos deve estar pautado em três pilares: transparência, explicabilidade e supervisão humana. O equilíbrio entre inovação e proteção jurídica é o que permitirá que a IA se torne uma aliada da justiça contratual, e não um instrumento de assimetria ou abuso.
Diante de um cenário de inovação constante, o desafio maior está em garantir que a tecnologia atue como meio de aperfeiçoamento das relações jurídicas — sem jamais comprometer os direitos fundamentais das partes envolvidas.