Mendonça vota contra responsabilização das big techs por conteúdo de usuários

Por Isabella Cavalcante

O ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça encerrou nesta quinta-feira (5/6) a leitura de seu voto no julgamento que discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, dispositivo que trata da responsabilização das grandes empresas de tecnologia pelo conteúdo publicado nas redes sociais. Em seu entendimento, as big techs não devem ser responsabilizadas se um usuário deixa de excluir uma publicação.

“As plataformas digitais não podem ser responsabilizadas pela ausência de remoção de conteúdo veiculado por terceiro”, diz trecho da tese apresentada pelo magistrado nesta quinta.

Mendonça divergiu dos relatores dos dois casos concretos julgados, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, e votou pela constitucionalidade do artigo 19. O magistrado entende que “é inconstitucional a remoção ou suspensão de perfis de usuários, exceto quando comprovadamente falsos”.

Além disso, segundo ele, uma decisão para exclusão de uma postagem nas redes sociais precisa seguir procedimentos detalhados e uma “fundamentação específica”.

O ministro, que havia pedido vista anteriormente, sugeriu as seguintes teses:

1) Serviços de mensageria privada não podem ser equiparados à mídia social. Em relação a tais aplicações de internet, prevalece a proteção à intimidade, à vida privada, ao sigilo das comunicações e à proteção de dados. Portanto, não há que se falar em dever de monitoramento ou autorregulação;

2) É inconstitucional a remoção ou suspensão de perfis de usuários, exceto quando comprovadamente falsos, seja porque relacionados a pessoa que efetivamente existe, mas que, ao saber da falsidade, denuncia com a devida comprovação que não utiliza ou não criou aquele perfil; ou em casos de contas robôs;

3) As plataformas em geral, tais como mecanismos de busca ou marketplaces, têm o dever de promover a identificação do usuário violador do direito de terceiro;

4) A remoção de conteúdo sem ordem judicial, seja por expressa determinação legal ou conforme previsto nos termos ou condições de uso das plataformas, exige a observância de protocolos que assegurem um procedimento devido, capaz de garantir:
1) A possibilidade de o usuário ter acesso às motivações da decisão que ensejou a exclusão do conteúdo;
2) Que essa exclusão seja feita preferencialmente por ser humano, admitindo-se o uso excepcional de robôs e inteligência artificial no comando da exclusão;
3) Que se possa recorrer da decisão de moderação da plataforma;
4) Dentre outros aspectos inerentes aos princípios processuais fundamentais.

5) As plataformas digitais não podem ser responsabilizadas pela ausência de remoção de conteúdo veiculado por terceiro.

6) As plataformas precisam de responsabilidade própria, com a possibilidade de responsabilização por conduta omissiva pelos descumprimentos dos deveres procedimentares que lhes são impostos pela legislação, e adoção de mecanismos de segurança digital para evitar que as plataformas sejam utilizadas para a prática de condutas ilícitas.

7) A decisão judicial que determinar a remoção de conteúdo deve apresentar fundamentação específica e, ainda que proferida em processo judicial sigiloso, deve ser acessível à plataforma responsável pelo seu cumprimento, facultada a possibilidade de impugnação.

Liberdade de expressão

Desde o início do voto, nesta quarta-feira (4/6), o ministro destacou a preservação da liberdade de expressão.

“Coloca-se em discussão os limites da liberdade de expressão, que é a viga mestra sobre a qual se alicerça a ideia de democracia, do Estado democrático de Direito e da construção da personalidade humana”, afirmou ele nesta quinta.

“Ninguém melhor do que os dirigentes investidos de legitimidade democrática direta para estabelecer as regras de utilização da ágora do nosso tempo, dispondo sobre os limites de uso do único instrumento verdadeiramente essencial a qualquer regime democrático: a garantia, em favor de todos, de se expressar livremente.”

Ao falar sobre notícias falsas, o magistrado disse ser preciso considerar a crise atual de “desconfiança” na sociedade e que isso não será resolvido com a adoção de medidas para impedir alguém de “manifestar seu descontentamento com o estado de coisas vivenciado”.

Outros votos

Após o posicionamento de Mendonça, o STF passa a ter quatro votos diferentes a respeito da regulação das plataformas.

Dias Toffoli propôs um rol taxativo de conteúdos que levarão à responsabilidade civil objetiva das plataformas, como racismo e divulgação de notícias falsas, caso o material não seja excluído por elas mesmas, independentemente de notificação extrajudicial ou decisão judicial determinando a exclusão.

Já na visão de Luiz Fux, a partir do momento em que são notificadas sobre conteúdos ilícitos, as plataformas digitais devem excluir as publicações, independentemente de ordem judicial. Além disso, as empresas devem monitorar postagens claramente ilegais, que contenham discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência ou apologia a golpe de Estado.

Por fim, o ministro Luís Roberto Barroso entendeu que não pode haver responsabilidade objetiva das redes por conteúdos de terceiros, mas propôs modelos alternativos de responsabilização das empresas.

Casos concretos

O tribunal analisa conjuntamente duas ações. No Recurso Extraordinário 1.037.396 (Tema 987 da repercussão geral, com relatoria de Toffoli), é discutida a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ele exige o descumprimento de ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização do provedor pelos danos decorrentes de atos praticados por terceiros — ou seja, as publicações feitas por usuários. O caso concreto é o de um perfil falso criado no Facebook.

Já no Recurso Extraordinário 1.057.258 (Tema 533 da repercussão geral, com relatoria de Fux), é discutida a responsabilidade de provedores de aplicativos e ferramentas de internet pelo conteúdo publicado por usuários, assim como a possibilidade de remoção de conteúdos ilícitos a partir de notificações extrajudiciais. O caso trata de decisão que obrigou o Google a apagar uma comunidade do Orkut.

RE 1.037.396
RE 1.057.258

 

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-jun-05/mendonca-vota-contra-responsabilizacao-das-big-techs-por-conteudo-de-usuarios/