A modulação de efeitos nas decisões tributárias do Supremo Tribunal Federal (STF) tem se consolidado como instrumento essencial para equilibrar o interesse social e a segurança jurídica. Contudo, em vez de trazer previsibilidade, ela frequentemente gera frustração e incertezas aos contribuintes.
Afinal, até que ponto a modulação protege a confiança legítima ou apenas preserva a arrecadação estatal? E como conciliar a excepcionalidade do instituto com sua utilização recorrente em matéria fiscal?
Nos últimos anos, diferentes julgados evidenciam contradições na forma como o STF e o STJ têm aplicado a modulação. Enquanto em alguns casos o instituto garante previsibilidade, em outros cria desigualdades, deixando contribuintes em situações distintas a depender do tempo de tramitação de seus processos. Essa imprevisibilidade é alvo de críticas recorrentes na doutrina e se tornou um dos pontos mais sensíveis da jurisprudência tributária contemporânea.
Segundo os professores Leonardo Carneiro da Cunha e João Otávio Terceiro Neto, a modulação deveria funcionar como etapa autônoma do julgamento, com ratio decidendi própria e vinculante, mas sua aplicação em matéria tributária vem reforçando a insegurança jurídica. Um dos exemplos é o julgamento da ADC 49, em que o STF reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança de ICMS sobre remessas entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, mas, em embargos de declaração, restringiu os efeitos apenas a partir de 2024, frustrando aqueles que ajuizaram ações após abril de 2021.
Essa prática inverte a lógica da proteção da confiança, que deveria servir ao contribuinte, e não ao Estado. Casos como o Tema 69 (“tese do século”) e o Tema 962, relativos ao IRPJ e CSLL sobre a taxa Selic, ilustram ainda mais a ausência de critérios uniformes, ora convalidando fatos geradores, ora apenas lançamentos já efetuados.
Na avaliação de Marcelo Fróes del Fiorentino, a excepcionalidade da modulação exige respeito a dois vetores fundamentais: previsibilidade e segurança jurídica. Contudo, o nem sempre essa premissa é respeitada. No Tema 1.048, por exemplo, o STF validou a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), ignorando jurisprudência consolidada no STJ (REsp 1.638.772/SC, REsp 1.629.001/SC e REsp 1.624.297/RS), sem modular os efeitos.
A decisão violou o princípio da previsibilidade, essencial para a atividade econômica. Outro exemplo foi o RE 851.108/SP, que declarou inconstitucional a incidência do ITCMD em doações ou heranças no exterior, mas modulou os efeitos apenas a partir de 20/4/2021, excluindo os processos administrativos já em curso, o que, segundo o articulista, configurou clara ofensa ao princípio da segurança jurídica.
Segundo Everton Lazaro e Bruna Annunciato de Caria em relação a decisão do STF que confirmou a incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, o tema havia sido pacificado pelo STJ em 2014 (REsp 1.230.957/RS), mas o STF, ao fixar a tese no Tema 985 em 2020, reverteu esse entendimento. Para evitar graves impactos financeiros às empresas, os ministros modularam os efeitos para que a contribuição fosse exigida apenas a partir de 15/9/2020, ressalvadas as verbas já pagas e não contestadas.
Ainda assim, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional buscou ampliar a retroatividade da decisão para fevereiro de 2018, o que foi rejeitado pelo relator Luís Roberto Barroso. Embora a decisão tenha preservado certa segurança, a oscilação jurisprudencial expõe os contribuintes a um ambiente de permanente instabilidade.
Nesse contexto, o conjunto das decisões recentes revelam um paradoxo: embora a modulação seja justificada como instrumento de segurança jurídica, sua aplicação em matéria tributária tem produzido efeitos contrários. A ausência de critérios uniformes e a prevalência de argumentos arrecadatórios sobre a proteção da confiança do contribuinte enfraquecem o próprio instituto.
Na prática, isso gera uma diferenciação injustificada entre contribuintes em situações semelhantes, fragiliza a previsibilidade essencial às relações econômicas e compromete a credibilidade do sistema tributário. Mais do que uma solução técnica, a modulação tornou-se um campo de disputa entre fisco e jurisdicionados, muitas vezes decidida pela ótica fiscalista.
Diante desse cenário, existe a necessidade urgente de revisão e sistematização dos critérios de modulação, de modo que ela cumpra sua função original: salvaguardar a confiança legítima dos cidadãos frente ao Estado, garantindo previsibilidade, isonomia e estabilidade. Sem isso, o instituto corre o risco de consolidar-se não como instrumento de justiça, mas como mecanismo de reforço da insegurança tributária.