Nova tributação do consumo pode deflagrar contencioso inédito e estrutural no Judiciário

A reforma tributária em curso no Brasil, que introduz o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tem sido promovida como um marco de simplificação fiscal. No entanto, análises recentes apontam que o novo modelo poderá, paradoxalmente, gerar um aumento expressivo no volume de litígios tributários. Especialistas vem destacando que a estrutura normativa comum não elimina a fragmentação federativa na cobrança e fiscalização, o que pode comprometer tanto a previsibilidade quanto a eficiência do sistema judicial.

As críticas apontam que, apesar de centralizar bases de incidência, o novo desenho mantém a autonomia de cada ente federativo — União, estados e municípios — para lançar e executar os tributos, criando a possibilidade concreta de múltiplos processos sobre o mesmo fato gerador. Essa pulverização da competência não apenas encarece o contencioso como aumenta a complexidade judicial e sobrecarrega ainda mais um Judiciário já saturado com demandas fiscais.

Segundo os autores Juarez Arnaldo Fernandes e Adriano Henrique Baptista, [1] o relatório aprovado pelo STJ em abril de 2025 (Portaria STJ/GP nº 458/2024) sinaliza um alerta grave: o novo modelo tributário pode triplicar a atual carga processual do país. A principal crítica reside na manutenção da competência separada para julgar as frações federativas do IBS e da CBS, o que obriga o contribuinte a se defender em diferentes jurisdições.

O documento propõe soluções como a centralização da competência na Justiça Federal e a criação de alçadas por valor para racionalizar o acesso ao Judiciário. Contudo, reconhece que essas medidas confrontam princípios constitucionais como o juiz natural e a inafastabilidade da jurisdição.

O relatório do STJ também avalia propostas alternativas, como a criação de ações diretas de legalidade e ilegalidade, além de consultas vinculantes obrigatórias durante a transição. Tais medidas visam conferir maior segurança jurídica e evitar decisões conflitantes. Contudo, há ressalvas quanto à constitucionalidade dessas soluções e à preservação do contraditório e da ampla defesa. Por fim, reforça-se a necessidade de um pacto cooperativo entre os entes federativos, mediante convênios ou atuação conjunta de procuradorias, para evitar a multiplicação desnecessária de litígios.

Na avaliação de Lucas Pereira Santos Parreira, [2] o otimismo com a simplificação trazida pelo IBS e CBS é ilusório. Para ele, a reforma apenas desloca os pontos de atrito tributário, criando novas frentes de litígio. Um dos focos principais será o debate sobre o direito ao crédito fiscal — especialmente no que se refere à definição de quais insumos ou serviços serão considerados creditáveis. Segundo o autor, essa discussão promete repetir a complexidade vista no julgamento do REsp 1.221.170, envolvendo PIS e COFINS.

Outro litígio iminente decorre da indefinição sobre o local de incidência do tributo em operações digitais, dada a fluidez dos conceitos de destino e prestação em modelos como SaaS.

Outros conflitos previstos incluem a delimitação da base de cálculo do IBS em casos de descontos e bonificações posteriores à nota fiscal, a contestação de atos normativos do Comitê Gestor Nacional e a integração com regimes fiscais diferenciados como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus. Em todos esses pontos, existe o risco de dupla tributação, glosa de créditos e insegurança jurídica, exigindo preparo técnico e estratégico antecipado por parte dos contribuintes e seus departamentos jurídicos.

Em síntese, embora a reforma tributária traga a promessa de racionalização do sistema fiscal, haverá um possivel cenário de transição marcado por disputas judiciais sofisticadas e complexas.

A manutenção da autonomia federativa na arrecadação e a indefinição de critérios operacionais e conceituais dos novos tributos poderão minar os objetivos de simplificação. Será essencial, portanto, um esforço coordenado entre Legislativo, Judiciário e Administração Tributária para ajustar os instrumentos legais e institucionais à nova realidade, prevenindo uma crise contenciosa sem precedentes.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/nova-tributacao-do-consumo-pode-deflagrar-contencioso-inedito-e-estrutural-no-judiciario/