Novo relatório da Reforma Tributária muda tópico relacionado a não cumulatividade: sistema pode ficar mais caótico do que já é

Semana passada o senador Eduardo Braga apresentou o relatório da reforma tributária com base na PEC 45/2019. Vale destacar de antemão que a referida PEC não faz toda a reforma, mas altera a Constituição para permitir que outras leis (Leis Complementares) completem a reformulação do sistema tributário.

Abaixo destacamos os principais pontos e fizemos comentários (ver ultimo tópico sobre não cumulatividade) trazendo a atenção do leitor sobre um ponto muito sensível que pode jogar por água abaixo a tal “simplificação” do novo sistema.

1 – Conselho Federativo

Braga fez várias modificações significativas nas regulamentações do Conselho Federativo dos Estados, que será uma entidade delineada no projeto da Câmara para administrar o IBS. Ele reformulou o conselho, convertendo-o em um comitê de gestão com a única responsabilidade de garantir a alocação adequada dos recursos, sem envolvimento em questões políticas. O presidente do comitê precisará passar por um processo de sabatina e aprovação pelo Senado.

Em nossa opinião, de longe esse tal conselho deveria existir.  As receitas relacionados ao ISS e ICMS devem continuar, ou deveriam pelo menos, sendo autônomas, com os Estados e municípios tendo sua própria gerência, como sempre foi, mantendo assim a suas respectivas independências.

Além de não preservar o pacto federativo, esse conselho pode ser no futuro um fácil objeto de manobra, vinculando a destinações dos seus recursos a interesses políticos. Sem falar que este mesmo conselho, a dependendo de como serão suas atividades de fato, pode atrasar a destinação dos recursos, comprometendo serviços essenciais a serem prestados por estados e municípios.

2 – Carga tributária

O projeto incorpora um mecanismo para manter a carga tributária constante durante os primeiros anos da fase de transição. Durante o período de 2027 a 2033, a taxa da CBS deverá gerar uma receita que compense a diminuição das receitas da União provenientes do PIS, COFINS e IPI. Similarmente, de 2029 a 2033, a alíquota do IBS deverá reembolsar os estados, o Distrito Federal e os municípios pela redução da arrecadação do ICMS e do ISS.

Quanto aos saldos de créditos de ICMS existentes, eles poderiam ser compensados com o IBS estadual por meio de pagamentos mensais ou reembolsados pelo Conselho Federativo. Em contrapartida, a União, os estados e os municípios não teriam permissão para conceder benefícios ou incentivos fiscais, com exceção dos que estejam explicitamente listados na Constituição.

Como toda “mexida” no sistema tributário traz, muitas das vezes, implicações não previsíveis, é quase impossível acreditar na manutenção da atual carga tributaria pelo novo sistema.

 3 – Regimes favorecidos

A reforma tributária já é lançada com benefícios fiscais diferenciados para diversos setores, agrupados em três categorias. O primeiro grupo terá uma carga tributária reduzida, correspondendo a 40% da chamada “alíquota padrão”. Isso se aplica a serviços de educação, saúde e transporte público urbano; produtos de higiene pessoal e de limpeza para famílias de baixa renda; produtos e insumos agropecuários; alimentos destinados ao consumo humano; medicamentos, produtos médicos e dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência; atividades artísticas, culturais, esportivas e jornalísticas; e bens e serviços relacionados às indústrias bélicas e de segurança da informação. O segundo grupo será isento de alíquota, incluindo itens da cesta básica.

Por fim, alguns setores terão um regime tributário específico (não necessariamente com alíquotas mais baixas), como combustíveis, lubrificantes, serviços financeiros, transações imobiliárias, planos de saúde, loterias, operações com o setor público, cooperativas, hospedagem, parques de diversões, restaurantes, bares e aviação regional.

Foram adicionados diversos setores que não haviam sido contemplados pelos deputados com um tratamento tributário diferenciado. Isso inclui operações relacionadas a acordos internacionais, serviços de saneamento e concessões de rodovias, compartilhamento de serviços de telecomunicações, agências de viagens e turismo, bem como o transporte coletivo rodoviário (intermunicipal e interestadual), ferroviário, hidroviário e aéreo.

Uma inovação significativa é a exigência de que esses incentivos sejam reavaliados a cada cinco anos, considerando critérios de desempenho econômico, social e ambiental. Dependendo dos resultados dessa revisão, a legislação estabelecerá um processo gradual de transição para a alíquota padrão.

A nova reforma mantém novamente problemas conjunturais do sistema anterior: inúmeros setores não querem deixar de mamar na teta do governo e melhorar produtos e serviços para serem competitivos. Querem que o Estado banque parte de suas receitas na maioria das vezes com a mesma justificativa: manter empregos. No longo prazo está mais do que comprovado que esse modelo não se sustenta.  Quem deixa de pagar por benéfico impõe altos custos para outros, que acabam pagando mais.

4 – Profissionais liberais

Outra alteração diz respeito à introdução de uma tributação particular para os serviços oferecidos por profissionais autônomos, como advogados, engenheiros e contadores, entre outros, que equivale a 70% da taxa padrão.

5 – IPVA/IPTU

Quanto ao IPVA, a proposta estabelece taxas variadas com base no valor e no impacto ambiental do veículo, incluindo a tributação de embarcações e aeronaves de uso pessoal. Além disso, a PEC concede autorização aos municípios para atualizar a base de cálculo do IPTU e também define que a Cosip visa aprimorar e expandir o serviço de iluminação pública.

Os especialistas do Senado observam que, diferentemente do processo de transição para o IBS e a CBS, não existe uma garantia de que a carga tributária será preservada no caso do IPVA, ITCMD e IPTU.

Esse quase certo “aumento de carga tributária municipal” tem relação com o fato de que no modelo proposto estão deliberando total autonomia (por força de pressão dos prefeitos) para o executivo municipal aumentar a tributação sem necessidade de aprovação do legislativo municipal.

6 – Não cumulatividade

A PEC também concede autorização para uma lei complementar poder requerer a apresentação de provas de pagamento do imposto na fase anterior, a fim de permitir o aproveitamento de créditos fiscais e a quitação total ou parcial do imposto durante o processo de liquidação financeira da transação. Segundo a proposta, essa medida visa simplificar o processo de arrecadação e aprimorar a eficácia no combate à evasão fiscal.

Nesse ponto discordamos frontalmente que tal medida simplificará o o sistema.

Assim está disposto a alteração sobre não cumulatividade:

O artigo 156-A, parágrafo 5º, inciso II, da PEC, dispõe:

“Lei complementar disporá sobre:

II- o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado a verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação, desde que:

O adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; ou

O recolhimento do imposto ocorra na liquidação financeira da operação”

Aqui, neste ponto, está um verdadeiro desastre. Em nossa humilde opinião, não há como garantir uma não cumulatividade plena vinculando o crédito ao efetivo pagamento pelo fornecedor, ou pelo menos, ter que aguardar a comprovação financeira do tributo pago nas etapas anteriores.

Em primeiro lugar isso aumentaria os litígios considerando que em muitos caso o não pagamento, ou pagamento do tributo em atraso, penaliza quem precisa usufruir do crédito. Os contribuintes se sentirão lesados e buscarão o judiciário.

Em segundo plano, acrescentaria complexidade e imensos atrasos no creditamento, pois haveria a necessidade de confirmação prévia do pagamento do tributo na etapa anterior, o que não é um ato verificável automaticamente e, pior, faz o o contribuinte virar um tipo de “fiscal financeiro” do seu fornecedor.

Por fim, essa medida irá comprometer o fluxo de caixa das empresas, impactando a realização de negócios, em relação ao descasamento de tempo entre a emissão do documento e a confirmação do crédito.

A não cumulatividade plena e o direito ao crédito financeiro são indispensáveis para o funcionamento de um “novo” sistema tributário eficiente e simples para o bom funcionamento do IVA, mas, ela não pode ser condicionada ao pagamento, pois a última coisa que essa obrigatoriedade seria jogar a tal simplificação toda por terra. E necessário que entidades e representantes de peso envolvidos no diálogo da reforma tributária com os parlamentares pressionem os mesmos e revejam essa determinação.


https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/10/25/veja-os-principais-pontos-da-reforma-tributaria-proposta-por-braga

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