O Supremo Tribunal Federal finalizou, no dia 8/2, o julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 955.227/BA e 949.297/CE. A discussão, com repercussão geral reconhecida (Temas 881 e 885), versa sobre a situação de contribuintes que obtiveram em seu favor decisão transitada em julgado que reconhecia a inconstitucionalidade de determinado tributo, mas posteriormente tido por constitucional em controle concentrado ou incidental realizado em sede de repetitivo.
Nos casos em concreto, as empresas contribuintes envolvidas possuíam decisão transitada em julgado que afastava a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, em função do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei instituidora dessa contribuição (Lei 7.698/89). O fundamento de ambos recursos partem do julgamento da ADI 15 (cuja ata de julgamento foi publicada em 31/8/2007), a qual referendou, posteriormente, a constitucionalidade da CSLL.
Referida decisão é inédita, na medida em que a corte versa pela primeira vez sobre a limitação dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária e isso foi feito pelo afastamento da exigência da ação rescisória.
Essa ação que tem poder para desconstituir decisão transitada em julgado é a via adequada prevista em lei para se desestabilizar uma relação jurídica que foi firmada por uma decisão judicial que fez coisa julgada — entendida esta pela doutrina majoritária como “a qualidade da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis” (Manual de Direito Processual Civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves — 13ª ed. — Salvador: Ed. JusPodivm, 2021, p. 1840).
Tal imutabilidade, por óbvio, é fundamental para a sustentação de um ordenamento jurídico que se pretenda previsível e garantidor da segurança jurídica, sobretudo nas relações de caráter tributário, cuja reversibilidade de um julgado possui enorme impacto econômico aos contribuintes.
O cabimento da Rescisória se ancora, também, na alteração do estado de direito, caso a decisão rescindenda verse sobre relação jurídica de trato continuado (artigo 505, I, CPC) — como a relação de natureza tributária. Seria, então, justamente a ulterior declaração de constitucionalidade da exação tributária o elemento justificador da proposição, por parte do ente tributante, da ação rescisória com vistas a cessar a eficácia de decisão que indicava a inconstitucionalidade do tributo.
A Suprema Corte, porém, afastou a necessidade da proposição da ação rescisória (instrumento processual hábil a modificar decisão judicial com trânsito em julgado) quando a declaração de constitucionalidade do tributo for feita via controle concentrado ou incidental (desde que submetida à sistemática dos repetitivos) pelo próprio Supremo. Nesse sentido, ambas os Temas tiveram a seguinte tese fixada:
“1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”
Em outras palavras, caso a manifestação do plenário do STF, por meio das ações constitucionais ou recursos com repercussão geral reconhecida, o Fisco não precisará se utilizar de qualquer ação autônoma para passar a cobrar o tributo antes tido como inconstitucional por decisão transitada em julgado.
Ressalta-se, como se vê na tese firmada, que a corte reconheceu a aplicação da anterioridade nonagesimal e anual, a depender do tributo. Então, as anterioridades serão observadas a partir da publicação da ata de julgamento da decisão de constitucionalidade, de modo que somente após esses marcos temporais é que se poderá tributar a exação anteriormente tida como inconstitucional. Nesse ponto, ficaram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e André Mendonça.
De todo modo, a conclusão a que se chega é que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, prestigiou o sistema de precedentes vinculantes em função da coisa julgada, flexibilizando seus efeitos. Isso porque, conferiu eficácia imediata (com efeito ex-nunc) às decisões proferidas em controle concentrado e incidental com repercussão geral (de caráter vinculativo, nos termos do artigo 927, I e III do CPC) que reconhecem a constitucionalidade de um tributo, dispensando-se o manejo de ação rescisória.
Por fim, a corte deixou de modular os efeitos. O pedido de modulação veio do ministro Fachin, o qual afirma que a não limitação temporal dos efeitos da tese implicaria na criação de uma rescisória ampla e de retroatividade infinita. Seguiram essa linha os ministros Fux, Lewandowski, Toffoli e Marques, para os quais o julgamento dos referidos recursos extraordinários se tratou da primeira vez que a corte versou sobre a imutabilidade da coisa julgada tributária (de trato sucessivo), sendo a modulação medida necessária para prestigiar a segurança jurídica.
Contudo, venceu, com voto de desempate da presidente Rosa Weber, a posição do ministro Barroso. De acordo com ele, uma vez tendo o STF se posicionado sobre a constitucionalidade do tributo, não se pode — sob pena de atentar contra a livre concorrência — permitir que o contribuinte que possui decisão contrária à do Supremo, ainda que transitada em julgado, continue sendo beneficiado com a dispensa de recolher o tributo tido por constitucional em decisão vinculante.
Na mesma linha votou o ministro Gilmar Mendes, que, respaldado por outros votos, indicou não ser a primeira vez que o STF julga a limitação da coisa julgada em relação de trato sucessivo, citando a ADPF 101.
Com respeito aos votos vencedores, mas a automaticidade da declaração vinculativa de constitucionalidade da exação em face de coisa julgada é absoluta novidade na corte. De modo que a não modulação de seus efeitos modificará incontáveis relações jurídicas respaldadas com decisão transitada em julgado e permitirá a desarrazoada cobrança retroativa de tributos não recolhidos de vários anos, como nos casos julgados pela corte, em que as empresas terão que recolher a CSLL retroativa desde 2007.
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Por Pedro Tavoni Céglio, advogado no GBA Advogados Associados e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Campus Campinas).
Revista Consultor Jurídico