Por Edison Fernandes
Está na hora de pensarmos alterações no imposto sobre a renda de maneira sistemática
A matéria tributária é realmente uma questão de Estado, e não de governo. Dentre as mudanças na legislação tributária proposta pelo governo atual, são reapresentadas propostas elaboradas no governo anterior. Contribui para essa proximidade entre governos ideologicamente tão distintos a administração fiscal, tanto daquele quanto deste governo, que conduziu à crise das contas públicas.
Enquanto as empresas e preparam para a reforma tributária do consumo – o que tem se demonstrado uma tarefa desafiadora, que, como já mencionei neste espaço, envolve praticamente todas as áreas das empresas –, a condução das modificações na tributação da renda precisa de um “freio de arrumação”. Medidas pontuais são propostas sem uma integração sistemática, isto é, com uma visão do todo. Essa postura compromete e inviabiliza mudanças que seriam benéficas à economia e, portanto, à sociedade brasileira.
Nesse sentido, por exemplo: há uma interferência direta entre leis aprovadas nos dois primeiros anos do mandato e as propostas apresentadas neste terceiro. A Lei n° 14.754 e a Lei n° 14.596, ambas de 2023, trataram, respectivamente, da tributação dos investimentos no exterior e da convergência das regras brasileiras sobre preços de transferência ao padrão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE; ainda na seara internacional, em 2024, foi publicada a Lei n° 15.079, que tratou do chamado “Pillar 2”, ou “imposto mínimo global”, da mesma OCDE (no Brasil, como adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL). Essas alterações na legislação tributária estão interligadas diretamente com as mudanças na tributação do mercado financeiro (aplicações financeiras em rendas fixa e variável), trazidas na Medida Provisória n° 1.303, e com a possibilidade de alteração da tributação em bases universais (TBU), que pode ser tratada no Projeto de Lei n° 1.087.
Alterar a tributação internacional e do mercado financeiro foram e são medidas necessárias, mas, ao mesmo tempo, essas iniciativas interferem no modelo de tributação para as chamadas “grandes rendas”, do PL 1.087: se uma tributação mínima individual dos residentes no Brasil ou uma tributação diretamente sobre os dividendos. Há nuances particulares nesses distintos modelos, o que precisa ser debatido e escolhido pela sociedade – por meio de seus representantes, tanto no Poder Executivo quanto no Poder Legislativo.
Somente para citar alguns exemplos de pontos de contato: (i) atração de investimentos estrangeiros para o Brasil; (ii) fomento à expansão das empresas brasileiras para o exterior (multinacionais brasileiras); (iii) incentivo ao investimento privado no Brasil por meio de instrumentos financeiros (mercado de capitais), seja capital nacional seja capital estrangeiro; (iv) esse mesmo incentivo por instrumentos financeiros ou pela retenção dos lucros na empresa (tributação dos dividendos); (v) equalização da tributação dos ganhos (como aplicações financeiras de longo e curto prazos ou a manutenção de lucros na empresa) ou formas diferenciadas para induzir a formação de poupança nacional.
Sou daqueles que defendem a urgência da “reforma tributária da renda”. Todavia, urgência não significa afobação ou iniciativas de modificação por partes isoladas. Daí o “freio de arrumação”: assim como foi feito com a reforma tributária do consumo, há que desenvolvermos e avaliarmos um projeto de reforma tributária da renda – e, talvez, sem a necessidade da complexidade de emenda constitucional.