Por Vanessa Chaves
Recentemente, em maio de 2025, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos, submeteu a julgamento o Tema 1.147, que tinha a seguinte questão: 1) qual o prazo prescricional aplicável em caso de demanda que envolva pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde: se é aplicável o prazo quinquenal, ou o prazo trienal; 2) qual o termo inicial da contagem do prazo prescricional: se o prazo começa a correr com a internação do paciente, com a alta do hospital, ou a partir da notificação da decisão do processo administrativo que apura os valores a serem ressarcidos.
A 1ª Seção, decidiu por unanimidade, que o prazo prescricional para o Sistema Único de Saúde requerer o ressarcimento de despesas por atendimento de beneficiários de planos de saúde é de 5 anos a contar da notificação da decisão administrativa que apurou os valores junto à ANS.
De forma objetiva, se tal entendimento permanecer após o trânsito em julgado, como isso vai funcionar e quais serão as implicações jurídicas e financeiras para as operadoras de saúde?
Primeiro, é importante entender o que significa o ressarcimento ao SUS. Pode acontecer quando um beneficiário de plano de saúde, por alguma razão, não consegue atendimento na rede credenciada de seu plano e busca atendimento no SUS. Há um cruzamento de dados e a ANS pode identificar que aquele indivíduo possuía cobertura para aquele tipo de atendimento.
Nesse caso, a ANS pode cobrar da operadora o valor gasto pelo SUS no tratamento daquele beneficiário, ou seja, o “ressarcimento ao SUS”, e existe previsão legal para isso no art. 32, da Lei 9.656/1998.
A medida visa evitar o “enriquecimento” sem causa das operadoras, sob a justificativa de que se o beneficiário de plano de saúde obteve atendimento na rede pública de saúde e a operadora, sem dispor do atendimento ao beneficiário recebeu pelos serviços via mensalidade, deve o plano de saúde arcar com os custos do Sistema Único de Saúde.
Em relação ao julgamento em si, o motivo da disputa judicial trata sobre o prazo que a ANS tem para cobrar judicialmente esses valores. No processo, as operadoras defendem o prazo de três anos, previsto no Código Civil, iniciando sua contagem da alta hospitalar ou internação do paciente. Já a ANS defende o prazo de 5 anos, nos termos do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre as dívidas não tributárias cobradas pela Administração Pública, além disso, entende que o prazo deve contar a partir da notificação da decisão do processo administrativo de apuração de valores.
Quanto ao STJ, o Tribunal entendeu pela tese da ANS, fixando o entendimento de que a matéria realmente se trata de direito administrativo, aplicando o prazo quinquenal, ou seja, de cinco anos, sob o argumento de que a regra administrativa garante o tratamento isonômico com outras dívidas que também são cobradas pela Administração Pública.
A relevância da decisão é tamanha, porque foi tomada sob o regime dos recursos repetitivos, o que significa que o entendimento do prazo quinquenal deve ser seguido por todas as instâncias do Judiciário, tendo efeito vinculante.
Então, ao reconhecer que o prazo de cinco anos deve ser contado a partir da notificação da decisão no processo administrativo de apuração de valores, o STJ deu à ANS uma margem maior para realizar as cobranças, pois não há um prazo definido e previsto em lei para início e conclusão do processo administrativo.
De forma simples, se entende que a ANS, em tese, pode demorar vários anos apurando os valores no processo administrativo e, ao finalizá-lo, ter mais cinco anos para ajuizar a ação judicial a fim de obter o ressarcimento das operadoras de saúde.
Com base nisso, as implicações financeiras para as operadoras de plano de saúde podem acontecer da seguinte forma:
Considerando que em 2024, houve um ressarcimento por parte das operadoras ao SUS de R$ 769,42 milhões, de acordo com dados da ANS, significando um aumento de mais de 5% em relação a 2023, com a decisão do STJ esse valor pode crescer ainda mais nos próximos anos, porque agora há um novo marco prescricional para requerer o possível ressarcimento.
Levando em consideração a imprevisibilidade da perspectiva futura relacionada aos possíveis pedidos de ressarcimento, deve-se considerar que poderá haver também um desequilíbrio na manutenção financeira dos contratos, o que impacta diretamente no princípio do mutualismo que se aplica aos planos de saúde mantidos pela contribuição comum dos beneficiários, que compartilham dos riscos e custos inerentes à contratação.
De forma geral, representa um potencial aumento nos custos operacionais e de contingência jurídica das operadoras, uma vez que precisarão provisionar mais recursos para lidar com essas cobranças, podendo haver um impacto direto no bolso do beneficiário, pois provavelmente haverá o repasse dos custos ao consumidor, elevando o preço da mensalidade dos planos de saúde.
Não menos importante, percebe-se uma insegurança jurídica gerada pela ausência de um prazo tanto para o início do processo administrativo quanto para a sua conclusão, dificultando o planejamento financeiro e a previsibilidade das operadoras que serão, cada vez mais, surpreendidas com novas ações visando o ressarcimento.
CONCLUSÃO
Ao estabelecer que o prazo prescricional conferido à ANS deve ser de 5 anos a contar da notificação da decisão do processo administrativo de apuração de valores, impõe-se grandes novos desafios financeiros e regulatórios às operadoras de saúde suplementar.
Consequentemente, para os consumidores, a decisão pode refletir futuramente nos custos dos planos e nas estratégias de atendimento das operadoras, considerando que os contratos tem a aplicação do princípio do mutualismo, onde ambas as partes, operadora e beneficiário, compartilham dos custos e riscos da assistência fornecida.
A decisão ainda é passível de recurso, inclusive, podendo chegar ao Supremo Tribunal Federal, mas até que ocorra nova decisão, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça passa a ter efeito vinculante para o Judiciário e a Administração Pública como um todo.