O Supremo Tribunal Federal formou maioria, em julgamento de repercussão geral, para definir que o diferencial de alíquota (Difal) do ICMS não deve ser exigido dos contribuintes que ingressaram com ações judiciais até o final de novembro de 2023 e deixaram de recolher o tributo no ano de 2022. A decisão foi tomada no âmbito do Recurso Extraordinário nº 1.426.271, sob o Tema 1.266, em sessão virtual convocada extraordinariamente a pedido do ministro Luís Roberto Barroso, que se aposentou em 18 de outubro de 2025. O julgamento deve ser encerrado nesta terça-feira, 21 de outubro.
O caso tem caráter vinculante e servirá de referência para todos os processos semelhantes em tramitação no país. O Supremo já havia, em 2023, decidido que os estados poderiam cobrar o Difal a partir de abril de 2022, três meses após a publicação da Lei Complementar nº 190/2022, que regulamentou a matéria. A controvérsia atual tratou da modulação dos efeitos dessa decisão — ou seja, da proteção aos contribuintes que confiaram em interpretações jurídicas distintas e optaram por contestar a cobrança no Judiciário.
O debate sobre o início da exigibilidade do Difal surgiu da aplicação do princípio da anterioridade anual, previsto na alínea “b” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Tal regra impede que leis que criam ou majoram tributos produzam efeitos no mesmo exercício em que foram publicadas. Embora a LC 190/2022 tenha mencionado apenas a anterioridade nonagesimal — a chamada noventena, prevista na alínea “c” do mesmo artigo — parte dos contribuintes defendeu que ambas as anterioridades deveriam ser observadas de forma conjunta, de modo que a cobrança só poderia começar em 2023.
Em agosto, o Plenário já havia firmado maioria para validar a cobrança desde 2022. Contudo, a questão da modulação dos efeitos — proposta pelo ministro Flávio Dino — alterou a dinâmica do julgamento. Dino acompanhou o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, mas acrescentou a ressalva de que a cobrança não deveria alcançar os contribuintes que buscaram o Judiciário até 29 de novembro de 2023 e não realizaram o pagamento do Difal em 2022. O entendimento foi seguido por Luiz Fux, André Mendonça, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, formando maioria de seis votos, suficiente para a modulação.
Segundo Flávio Dino, a interpretação de que o Difal só poderia ser cobrado a partir de 2023 foi amplamente divulgada em 2021 e 2022, inclusive em notas técnicas das secretarias estaduais de Fazenda e em decisões de primeiro grau. Diante disso, muitos contribuintes teriam planejado suas operações comerciais, preços e obrigações fiscais com base nessa compreensão. Para o ministro, punir quem seguiu uma orientação técnica plausível e atuou de boa-fé seria injusto, razão pela qual a modulação busca equilibrar segurança jurídica e confiança legítima.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, manteve sua posição de que a cobrança é válida desde 4 de abril de 2022, respeitado o prazo de 90 dias estabelecido pela LC 190/2022. Em seu voto, o relator afirmou que a lei complementar não criou nem aumentou o tributo, apenas alterou a destinação do produto da arrecadação entre os estados de origem e de destino, razão pela qual não incidiria a anterioridade anual. Para Moraes, o Difal já existia anteriormente e continuou sendo aplicado às mesmas operações e aos mesmos contribuintes, sem majoração de alíquota ou agravamento da carga tributária.
Na sua fundamentação, Moraes destacou que a menção expressa à noventena na LC 190/2022 foi uma opção legislativa legítima do Congresso Nacional. Assim, o princípio da anterioridade anual não se aplicaria, pois não houve criação de novo tributo, mas apenas readequação da forma de repartição da receita.
Por outro lado, o ministro Edson Fachin apresentou divergência parcial. Ele reiterou o entendimento já manifestado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas em 2023, segundo o qual o Difal somente poderia ser exigido a partir de 2023. Fachin argumentou que o diferencial de alíquota não constitui mera repartição de receita, mas a criação de uma nova obrigação tributária, sujeita tanto à anterioridade anual quanto à nonagesimal, conforme o artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, da Constituição.
Mesmo mantendo sua discordância quanto à data de início da cobrança, Fachin anunciou que, caso sua tese permanecesse vencida, acompanharia a proposta de modulação apresentada por Flávio Dino, o que reforçou a formação da maioria. Em seu voto, o ministro salientou que a menção à noventena no texto constitucional deve ser interpretada em conjunto com a anterioridade anual, pois ambas têm natureza de limitações ao poder de tributar, não podendo ser afastadas sem previsão expressa.
O julgamento ocorre em um cenário de reiteradas controvérsias sobre o alcance temporal da LC 190/2022. O tema já havia sido debatido em três ADIs julgadas pelo Supremo em 2023, quando a corte definiu que o Difal seria exigível a partir de abril daquele ano. A nova discussão, entretanto, buscou uniformizar o entendimento com repercussão geral, para evitar decisões divergentes nas instâncias inferiores.
O recurso extraordinário que originou o Tema 1.266 foi interposto por uma empresa cearense que questionava a cobrança do Difal sobre operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS no exercício de 2022. A expectativa, segundo especialistas, era de que o Supremo apenas reafirmasse a jurisprudência já consolidada. No entanto, a introdução da modulação de efeitos deu ao julgamento novo alcance prático, especialmente para os contribuintes que judicializaram o tema antes de novembro de 2023.
Com a decisão, o STF consolida a validade da cobrança do Difal a partir de 4 de abril de 2022, mas impede sua exigência retroativa para quem contestou a norma antes da consolidação do entendimento jurisprudencial.