STJ permite cobrança de dívida antes de abertura de processo de arbitragem

Por Marcela Villar

Para 3ª Turma, por unanimidade, cláusula compromissória não impede a execução

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu a cobrança de uma dívida extrajudicial antes da instauração de um procedimento de arbitragem, em um contrato com cláusula compromissória – previsão que permite às partes levar o litígio aos árbitros. O caso envolve um empréstimo de R$ 52 milhões entre o fundo dinamarquês Nordic Power Partners (NPP) e a empresa brasileira Rio Alto Energia.

O objetivo da operação foi a construção de um parque de energia solar na Paraíba, o Complexo Coremas I, II e III. A dívida foi cobrada antecipadamente pela NPP após supostos descumprimentos contratuais da Rio Alto.

De forma unânime, os ministros da 3ª Turma entenderam que a mera existência da cláusula compromissória no contrato não impede a execução antes da ação arbitral, que ainda não foi instaurada. Isso porque a cláusula não muda a natureza do título executivo. Eles reformaram decisão anterior da 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia suspendido a cobrança até o início da arbitragem.

Ainda há questionamentos sobre a validade do título extrajudicial. São 32 notas promissórias, emitidas pela Rio Alto à medida que entravam as parcelas do empréstimo do contrato de mútuo firmado com a NPP, joint-venture da European Energy com o Danish Investment Funds, fundo de investimento para o clima do governo da Dinamarca.

Enquanto os dinamarqueses entravam com o investimento, que também teve financiamento do Banco do Nordeste, os brasileiros construíram o complexo. O parque solar entrou em operação no ano de 2018 e a última etapa foi entregue em 2020. O valor total das obras foi de R$ 550 milhões.

A Rio Alto, que já provisionou parte da dívida no último balanço patrimonial publicado e classificou a perda na Justiça como provável, deve recorrer da decisão do STJ, indica o diretor financeiro (CFO) da empresa, Rafael Brandão. Nos autos do processo, o grupo alega que ainda não havia vencido o prazo para a execução do débito e que a Nordic também teria descumprido cláusulas contratuais. Por isso, o caso deveria ir a um tribunal arbitral.

Segundo advogados, a jurisprudência do STJ caminha majoritariamente no mesmo sentido da decisão da 3ª Turma, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, permitindo a execução em contratos com cláusula arbitral. Porém, existem decisões divergentes, como uma do mês de abril, do ministro Raul Araújo, da 4ª Turma, que determinou a extinção do processo de execução, pois o tribunal arbitral seria o competente para se pronunciar primeiro sobre o feito (REsp nº 2343376).

Nos tribunais estaduais, as decisões têm divergido. Nesse processo da NPP contra a Rio Alto, por exemplo, a juíza Andrea de Abreu e Braga, da 10ª Vara Cível de São Paulo, havia determinado a execução. Mas o TJSP reverteu a sentença, suspendendo a cobrança. Já o STJ reformou a decisão anterior para restabelecer o decidido por Andrea.

Para o ministro Cueva, a execução deve prosseguir, pois ficou provada a exigibilidade do crédito em favor da NPP. Já as questões de mérito, que não caberiam ao Judiciário julgar, devem ser decididas por arbitragem. “Estando satisfeito o requisito da exigibilidade, como no caso, a existência do crédito e todas as alegações relativas ao contrato somente poderão ser analisadas no procedimento arbitral”, diz. “Sem a instauração da arbitragem, a execução não poderia ter sido suspensa”, acrescenta (REsp nº 2108092).

Bruno Poppa, sócio do Tepedino, Berezowski & Poppa Advogados, que atuou pela NPP na ação, afirma que a particularidade do caso é pelo vencimento antecipado das notas promissórias, pois gerou uma discussão se a dívida era exigível ou não. “O STJ reconheceu que tínhamos razão, o que acabou virando um precedente interessante, porque reconhece que, tendo um título executivo, se pode executar. Se o devedor quiser apresentar uma defesa e for de mérito, deve abrir uma arbitragem.”

Poppa diz que a empresa dinamarquesa preferiu executar a dívida, pois seria mais rápido do que instaurar a arbitragem. “Nesse caso, a arbitragem deveria ser na Câmara de Londres, depois teriam que homologar sentença no STJ para então ter feitos no Brasil”, explica. “Se já tenho a promissória, já posso fazer a penhora”, completa.

“Não adianta só argumentar que tem cláusula arbitral, tem que dar efeito a ela”
— Selma Lemes

O advogado acrescenta que a dívida foi antecipada por atritos na relação comercial entre as empresas, que ainda são sócias. Um dos motivos foi o fato de o antigo sócio e fundador da Rio Alto, Sérgio Reinas, ter sido preso na Operação Lava-Jato por corrupção e lavagem de dinheiro, além de supostos descumprimentos contratuais.

O CFO da Rio Alto, Rafael Brandão, nega a acusação. Diz que todas as cláusulas foram cumpridas e que a antecipação da dívida não ocorreu pela prisão de Reinas, que não tem mais qualquer relação com a empresa.

Para os advogados da companhia de energia, Gastão Pereira e Flávia Tiezzi, do Pereira Pulici Advogados, a decisão do STJ é “equivocada” e usou “argumento genérico”. “As notas promissórias objeto da execução estão vinculadas ao contrato de mútuo. Foram executadas antes do vencimento sob alegação de inadimplemento de obrigações acessórias, o que deveria ser discutido pela Nordic em arbitragem.” Eles dizem ainda que a NPP teria descumprido primeiro o contrato, ao atrasar remessa de integralização de capital.

Segundo a professora e advogada Selma Lemes, a decisão do STJ tem “absoluta lógica”. “Não adianta só argumentar que tem cláusula arbitral, tem que dar efeito a ela”, afirma ela, acrescentando não ter visto igual precedente. “Sem a instauração da arbitragem, não se pode falar em suspensão. Se a parte tem esse direito e não exerceu, não se pode prejudicar o outro que tomou as atitudes corretas”, completa.

Na visão do advogado André Abboud, que compõe o Conselho Diretor do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e é sócio do BMA Advogados, se a obrigação de pagamento foi descumprida, a execução pode ser feita. “O fato de ter uma cláusula arbitral não muda a exequibilidade do título, só muda o órgão competente para julgar os embargos ao executado”, completa.

 

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/07/25/stj-permite-cobranca-de-divida-antes-de-abertura-de-processo-de-arbitragem.ghtml