Enquanto a transação tributária se consolidou como instrumento de política fiscal para destravar passivos e reduzir litigiosidade, uma regra vem incendiando debates nos balcões da PGFN e nos fóruns: a vedação de dois anos para firmar novo acordo após a rescisão do anterior. O dispositivo, que pretende desestimular o uso oportunista do instituto, tem gerado leituras divergentes — e, na prática, consequências relevantes para o planejamento de caixa de empresas que dependem desses programas para respirar.
A discussão ganha contornos práticos quando a contagem do biênio não acompanha a letra da lei e esbarra na morosidade administrativa. Se o relógio só começa a correr quando o “sistema” reconhece a rescisão — e não quando ocorre o fato que a provoca —, a trava temporal se estende para além do previsto, atingindo contribuintes que, por vezes, não têm mais nenhuma providência a adotar. O resultado é um hiato negocial com impacto direto em provisões, rating bancário e continuidade de negócios.
Do outro lado, empresários ainda resistem a aderir aos programas, seja por desinformação, seja por percepção de que a transação é só “parcelamento com outro nome”. O contraste entre o potencial de reestruturação e as barreiras de adesão revela um cenário ambivalente: há uma ferramenta com capacidade de recompor competitividade, mas a sua eficácia depende tanto da segurança jurídica na aplicação das regras quanto da mudança de mentalidade de quem pode se beneficiar.
De acordo com César Chinaglia, a vedação prevista no § 4º do art. 4º da Lei 13.988/2020 e reiterada pelo art. 18 da Portaria PGFN 6.757/2022 deve ser lida com fidelidade ao texto legal e à finalidade do instituto. O objetivo legítimo — evitar “rodízio” de acordos após inadimplementos — não autoriza a Administração a inaugurar a contagem do prazo apenas quando o sistema interno registra a rescisão. Isso desloca, de modo artificial, o termo inicial do biênio e transforma uma salvaguarda de integridade em penalidade adicional, sobretudo quando já se consumou a causa de rescisão (como o não pagamento de três parcelas, consecutivas ou alternadas).
Essa prática vulnera a proporcionalidade e a segurança jurídica, pois submete o contribuinte à inércia estatal e amplia, sem base normativa, a sua impossibilidade de negociar. Ele observa que a própria Portaria 6.757/2022 (arts. 70 a 77) prevê janela para regularização da causa de rescisão e para impugnações, hipótese em que se poderia, com razoabilidade, postergar o termo inicial até o fim desses prazos. Fora disso, a contagem deve refletir a realidade dos fatos e não as rotinas do órgão. Vale mencionar que uma decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro (Processo nº 5009834-70.2025.4.02.0000), rechaçou o vínculo do prazo à formalização administrativa, por conferir ao Fisco poder de estender indefinidamente a sanção temporal.
De acordo com Daniel Sousa, a resistência empresarial à transação nasce menos de questões dogmáticas e mais de percepções equivocadas: medo de compromissos inexequíveis, desconfiança quanto à efetividade de reduções e desconhecimento sobre elegibilidade e procedimentos. O resultado é um círculo vicioso no qual a inação faz o passivo crescer, encarece o crédito e afasta oportunidades de regularização que poderiam reposicionar a empresa perante o mercado e fornecedores.
A transação não se confunde com parcelamento padrão: além de descontos expressivos sobre multas e juros, abre espaço para utilização de prejuízo fiscal e base negativa, e admite calibragem de condições quando comprovada incapacidade de pagamento. Na prática para virar a chave da resistência é necessário diagnóstico técnico individualizado do passivo, mudança cultural que encare a negociação como gestão inteligente de risco e visão estratégica voltada à retomada de competitividade — e não apenas à “limpeza do nome”.
Em síntese, a eficácia da transação tributária depende da previsibilidade de suas travas e da aderência estrita ao que a lei prescreve. Quando a contagem do biênio se divorcia do fato gerador da rescisão e se ancora em marcos administrativos voláteis, o instituto perde densidade negocial e passa a projetar incertezas que se refletem em provisões, governança e acesso a crédito. A leitura estrita do termo inicial, temperada pela consideração dos prazos de saneamento e impugnação previstos em norma, é condição para preservar o caráter cooperativo do mecanismo.
Do ponto de vista do cotidiano empresarial, a decisão de aderir — ou de readesão após o biênio — deve ser orientada por análise de fluxo de caixa, mapeamento de riscos e avaliação de opções de descontos e amortização, inclusive com aproveitamento de prejuízo fiscal quando aplicável. A engenharia da proposta, se bem construída, pode reduzir de forma sustentável o custo financeiro do passivo e liberar capacidade de investimento, mitigando o contencioso e os custos indiretos de reputação.
No plano contencioso, a consolidação de entendimentos judiciais que fixem com clareza o termo inicial do prazo de vedação tende a diminuir litigiosidade e a alinhar incentivos entre Fisco e contribuintes. A calibragem entre proteção do sistema contra inadimplementos estratégicos e a preservação do espaço negocial — sem punições implícitas — é o elemento que permitirá à transação cumprir sua vocação de instrumento de solução consensual e de política pública fiscal eficiente.