A repactuação de contratos particulares na Reforma Tributária

Por Gilberto Rocha Profilo

Com a promulgação da Lei Complementar n° 214/2025 basicamente todo o sistema tributário será modificado. As alterações, as quais tem sido alvo de amplas discussões, incluem a instauração de um sistema de recolhimento baseado em um Imposto sobre Valor Agredado (IVA) Dual, consubstanciado no recolhimento de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS – pela União), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS – pelos Estados, munícipios e Distrito Federal), criação de um imposto seletivo (IS), novas modalidades de recolhimento (split-payment) e inúmeras alterações legislativas constitucionais.

Apesar do caráter não exaustivo da listagem acima, de certo que os efeitos ensejarão em mudanças significativas no planejamento tributário empresarial, e na maneira de realizar negócios, principalmente enquanto não consolidados todas as mudanças.

Dentre o horizonte de mudanças, e as preocupações acerca de eventuais alterações de carga tributária, impacto no fluxo de caixa e novas regras de recolhimento apontam para a necessidade de uma revisão de todos os negócios firmados. Em especial, destaca-se a importância para a revisão dos contratos firmados.

A LC 214/25, embora possua previsão de mecanismos de reajustes contratuais para contratos públicos, em seu art. 373, não criou regras para revisão de contratos privados, a exposição de motivos da PLP 68/2024 reforçou a ideia de que a correção de distorções deve ser feita pelas autonomia da vontade das partes.

Essa ausência de previsão é compreensível, estipulação contrária poderia ser entendida como violação ao artigo 3º inciso VIII da Lei de Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/19):

“Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

VIII – ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;”

Apesar da premissa de livre pactuação ser coerente com o ordenamento jurídico, estas negociações podem ocasionar uma barreira intransponível na gestão contratual. De toda sorte, vislumbramos duas diretivas para se abordar a situação: (i) necessidade de estudos para a revisão de contratos firmados; (ii) adoção de boas práticas para resguardar os contratos firmados a partir de agora.

De início, reforçamos aqui a necessidade de se antecipar diante das mudanças. É indispensável, como base da estratégia a ser definida, uma revisão dos contratos estratégicos, tanto jurídica, como financeira e operacional. Pelo aspecto jurídico, verificar se estes contratos possuem mecanismos claros de reajustes, e revisão, é o primeiro passo para os trabalhos. Posteriormente as avaliações financeiras e operacionais são essenciais para vislumbrar-se os caminhos existentes em eventual renegociação.

Veja, não necessariamente haverá reajuste dos preços praticados, mas podem ser propostos acordos acerca dos prazos de pagamentos, ou revisões das contrapartidas dadas. Quanto maior as possibilidades, maior a chance de sucesso.

Não obstante, é indispensável a emissão de documentos técnicos que baseiam qualquer pleito, consubstanciados, também, em uma avaliação operacional de como a relação tem se desenvolvido. O pleito isolado, sem levar em conta o ciclo de vida do contrato, pode causar efeito adverso do esperado, inclusive do ponto de vista comercial.

Os elementos acima, entretanto, apontam para uma negociação extrajudicial, pautada nos mecanismos contratuais e legais, bem como os princípios que guiam a relação obrigacional. Resta claro, também, que existem mecanismos de direito privado para reequilíbrio contratual pela via judicial.

De plano, a possibilidade de enquadrar os efeitos da reforma como fatores imprevisíveis que ensejem a necessidade de reequilíbrio contratual se enquadraria na Teoria da Imprevisão. A aplicação desta teoria se resume a revisão contratual proveniente de fato imprevisível, que seja disruptor do equilíbrio contratual (que permeia a aplicação da onerosidade excessiva). A aplicabilidade dessa tese exige análise detalhada das circunstâncias fáticas no momento da formação do contrato.

Para contratos a serem firmados a partir da edição da LC 214 (ii) as soluções são a adoção de boas práticas nas revisões e negociações contratuais, e eventual revisão do planejamento tributário, explico a seguir.

As novas negociações precisam incluir mecanismos de reajuste contratual, provenientes de ajustes na lei previsíveis, ou não, (como a cláusula “change in law”), e cláusulas de reajuste tributário, tratando especificamente do arranjo tributário-fiscal da relação. Aqui, a regra do jogo é previsibilidade, quanto maior for o nível de detalhe acerca dos mecanismos e efeitos, melhor será a gestão contratual.

Por fim, toda a estratégia passa por um acompanhamento do planejamento tributário, para que se adeque a nova realidade tributária prevista na LC 214, e demais edições que possam a acompanhar, e claro, atualização constante acerca das mudanças no cenário fiscal.