Por Luma Furtado Ribeiro Moulin
Os processos de execução no Brasil ainda enfrentam diversos entraves que comprometem sua efetividade. A dificuldade na localização de bens penhoráveis, a tentativa constante de fraudes patrimoniais e a morosidade judicial são alguns dos fatores que dificultam o cumprimento célere e eficaz das decisões judiciais. Nesse contexto, o Poder Judiciário é frequentemente instado a ponderar entre a satisfação do crédito e a preservação de direitos fundamentais do executado, como o direito à moradia.
Um dos casos que ilustra essa tensão diz respeito à penhora de imóvel residencial utilizado por sócio da empresa executada, mas formalmente registrado em nome da pessoa jurídica. A controvérsia gira em torno da aplicação da Lei nº 8.009/90 e da possibilidade de reconhecimento de impenhorabilidade do bem de família mesmo quando a propriedade formal não pertence ao devedor, mas o uso como residência permanente está comprovado.
No julgamento do Recurso de Revista nº 20943-98.2021.5.04.0702, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reformou entendimento das instâncias inferiores para afastar a penhora de um imóvel utilizado há mais de 12 anos como moradia do sócio e de sua família, apesar de estar registrado em nome da empresa. A Corte adotou uma interpretação teleológica da Lei nº 8.009/90, privilegiando a função social do bem e o direito à moradia, em detrimento da rigidez formal da titularidade. Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, em hipóteses semelhantes, também admite a impenhorabilidade com base na posse direta e no uso familiar do imóvel.
A origem da controvérsia remonta a uma execução trabalhista ajuizada por ex-empregado contra a empregadora. O imóvel da empresa foi penhorado no curso da execução, levando o sócio a ingressar com embargos de terceiro. Alegou, na ocasião, que residia no local com sua família, o que justificaria a incidência da proteção legal conferida ao bem de família.
A decisão do TST representa um avanço relevante na aplicação prática do processo civil. A proteção ao bem de família é norma de ordem pública, vinculada à dignidade da pessoa humana, e deve ser interpretada à luz do art. 6º da Constituição Federal, que consagra a moradia como um direito social. A formalidade registral, por si só, não pode afastar a incidência da impenhorabilidade, sobretudo quando o imóvel serve, comprovadamente, como moradia habitual da entidade familiar do sócio. Ao reconhecer essa realidade, o Judiciário evita que a execução comprometa o mínimo existencial do devedor.
Esse tipo de situação revela que a penhora, embora legítima como meio de coerção patrimonial, encontra limites jurídicos que impedem que a execução se torne um mecanismo de violação de direitos. Assim, a jurisprudência atual reforça que o processo civil demanda uma atuação sensível às realidades materiais, capaz de equilibrar a força executiva com a preservação da dignidade da pessoa humana.
Em suma, a execução deve ser eficaz, mas jamais pode se sobrepor aos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito. O caso analisado escancara a tensão permanente entre o legítimo interesse do credor e a necessidade de proteção à dignidade do devedor, revelando que o desafio do processo civil contemporâneo está menos na técnica e mais na sensibilidade à realidade que o cerca.
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