Por Jefferson Souza
- Comparação entre o modelo atual do ICMS e o novo modelo do IBS
No regime do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), cada estado podia conceder benefícios fiscais como isenções, reduções de base de cálculo, créditos presumidos etc., porém somente mediante aprovação conjunta de todos os estados via Convênio do CONFAZ, conforme exigido pela Constituição Federal de 1988. Na prática, muitos estados concederam incentivos unilaterais sem aval unânime (a chamada “guerra fiscal”), atraindo empresas com reduções de ICMS à revelia do convênio nacional.
Isso gerou conflitos federativos e insegurança jurídica, pois tais benefícios podiam ser invalidados nos tribunais por infringirem a exigência constitucional de convênio prévio. Para amenizar esse quadro, a Lei Complementar (LC) 160/2017 autorizou a convalidação dos incentivos estaduais existentes (via Convênio ICMS 190/17) e estipulou prazos e condições para sua manutenção – em geral, prazo determinado até, no máximo, 2032. Assim, no modelo atual, os incentivos do ICMS têm amparo legal na CF/88 (art. 155, §2º, XII, “g”) e em convênios/leis complementares (LC 24/1975, LC 160/2017), mas estavam sujeitos a limitações (aprovação interestadual e prazo certo) visando coibir vantagens tributárias desproporcionais entre os estados.
Com a Reforma Tributária de 2023/2024, que introduziu o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) para substituir ICMS e ISS, a Constituição proibiu expressamente a concessão de incentivos ou benefícios fiscais relativos ao IBS por iniciativa descentralizada dos entes federativos. Em outras palavras, nenhum estado ou município poderá, por conta própria, dar incentivos de IBS – o imposto terá legislação única e uniforme nacionalmente, orientada pelo princípio da neutralidade. O art. 156-A da CF (incluído pela EC 132/2023) determina que o IBS “não será objeto de concessão de incentivos ou benefícios financeiros-fiscais… nem de regimes diferenciados de tributação, salvo as exceções previstas na Constituição”
Essas exceções constitucionais incluem apenas regimes especiais uniformes nacionalmente, definidos no próprio texto constitucional ou em lei complementar para certos setores ou situações (por exemplo, regime diferenciado para combustíveis, Zona Franca de Manaus, Simples Nacional, cesta básica, etc.)
Diferentemente do ICMS, em que cada estado tinha margem (ainda que limitada) para criar benefícios, no IBS os entes subnacionais não poderão conceder isenções ou reduções seletivas da alíquota por conta própria. Cada estado/município ainda terá competência para fixar a alíquota do IBS aplicável em seu território (sobre sua parcela do imposto) na legislação local, mas essa alíquota deverá ser uniforme para todas as operações (bens e serviços) naquele ente, respeitadas apenas as exceções gerais autorizadas pela Constituição.
Ou seja, o estado pode definir o percentual do IBS que caberá a ele, porém não pode diferenciá-lo setorialmente nem conceder “reduções” seletivas. Ademais, a EC 132 criou um Comitê Gestor nacional do IBS (com representantes de Estados, DF e Municípios) para administrar o tributo de forma compartilhada, reforçando seu caráter nacional. Em suma, o novo modelo do IBS centraliza a regulamentação dos benefícios fiscais: diferentemente do ICMS (que admitia incentivos estaduais via convênio), o IBS veda incentivos tributários regionais, limitando-se aos tratamentos favorecidos previstos em âmbito constitucional/federal. Essa mudança busca eliminar distorções competitivas entre as unidades federativas e assegurar a neutralidade do imposto
No ICMS, mesmo com a exigência constitucional de convênio, houve brechas que levaram à guerra fiscal (benefícios concedidos à revelia, posteriormente regularizados pela LC 160/17). Já a legislação do IBS impõe um limite absoluto: não haverá benesses tributárias fora das hipóteses uniformes previstas em lei complementar e na Constituição. O princípio da neutralidade inscrito na EC 132/23 sinaliza a intenção do legislador de que o IBS não deve interferir em decisões econômicas oferecendo vantagens tributárias a determinadas empresas ou setores.
Além disso, como política de transição, a EC 132 extinguiu gradualmente os benefícios de ICMS vigentes (até 2032) e criou mecanismos compensatórios, ao invés de permitir a migração desses incentivos para o novo imposto (ver item 2). Portanto, comparando os regimes: (i) no ICMS os incentivos eram possíveis porém controlados (convênios, prazos, reservas legais), enquanto (ii) no IBS a regra geral é a vedação de incentivos regionais, assegurando uma tributação uniforme e coordenada nacionalmente, com poucas exceções definidas de forma centralizada. Essa mudança legislativa praticamente elimina a margem legal que os estados tinham para concessão de benefícios no consumo, estabelecendo um modelo mais uniforme e com menos discrepâncias entre entes.
- Impacto prático para empresas que atualmente usufruem de incentivos estaduais (ICMS)
Empresas que hoje gozam de benefícios fiscais de ICMS tendem a sofrer impactos à medida que o IBS for substituindo o ICMS. No entanto, a reforma tributária previu regras transitórias para amenizar esses impactos. A Emenda Constitucional 132/2023 criou o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF) do ICMS, destinado a compensar as empresas pelos incentivos de ICMS prometidos pelos estados no período de transição (2029-2032). Ou seja, durante os primeiros anos em que o IBS entrar em vigor e o ICMS for sendo gradualmente reduzido, as empresas deverão receber, via esse fundo, valores equivalentes à vantagem fiscal que teriam com os incentivos estaduais vigentes.
Na prática, até 2028 o ICMS permanece em vigor e os benefícios atuais continuam nos termos contratados. A partir de 2029, inicia-se a implementação progressiva do IBS (concomitante à redução do ICMS); nessa fase, se a empresa perder parte do incentivo de ICMS porque a base do IBS entrou em cena, o FCBF suprirá essa perda, garantindo o “valor prometido” até o final de 2032. Até 31/12/2032, data em que todos os incentivos de ICMS deverão terminar, o fundo compensará essas empresas, com aportes federais significativos para suportar a transição. Assim, até 2032, espera-se que as empresas não tenham prejuízo financeiro imediato, já que receberão compensações equivalentes ao benefício fiscal que gradativamente deixará de existir no ICMS.
A partir de 2033, o IBS substituirá definitivamente o ICMS/ISS e, por força constitucional, não haverá mais incentivos fiscais de IBS para suceder os do ICMS. Portanto, as empresas que hoje pagam menos ICMS graças a incentivos regionais passarão a pagar a alíquota cheia do IBS aplicável, sem reduções individualizadas. Em outras palavras, haverá um aumento de carga tributária setorial/empresarial para quem era beneficiado, pois o “desconto” de ICMS deixará de existir. Entretanto, deve-se notar que muitos incentivos atuais já tinham prazo certo e terminariam naturalmente por volta de 2032, conforme a legislação de convalidação (LC 160/17 e Convênio ICMS 190/17).
Ou seja, o fim dos incentivos coincidindo com 2033 decorre em parte do prazo já estabelecido na legislação atual. De todo modo, empresas em estados menos desenvolvidos – que historicamente dependiam de incentivos de ICMS para viabilizar investimentos – precisarão reavaliar seus modelos a longo prazo sem esse apoio tributário a partir de 2033. É possível que algumas sofram perda de competitividade ou margem de lucro, caso seus planos considerassem a continuidade da isenção além desse prazo. Em contrapartida, a reforma prevê medidas compensatórias e novos estímulos não-tributários para minimizar a fuga de investimentos (ver adiante).
A nova legislação deixa clara a irrevogabilidade dos benefícios de ICMS até sua data de expiração ou 2032, o que der primeiro. Durante a transição, os estados devem continuar honrando os incentivos concedidos (via manutenção do ICMS reduzido, enquanto vigente) e, conforme mencionado, o FCBF cobrirá eventuais diferenças quando o IBS entrar parcialmente. O Projeto de Lei Complementar 68/2024 (convertido na LC 214/2024) traz as linhas de como serão feitos esses pagamentos, embora ainda haja debate sobre detalhes operacionais (por exemplo, como a União garantirá e repassará os valores do fundo às empresas).
Em resumo, a transição será guiada pelo princípio da não-surpresa: nenhum incentivo vigente será cortado abruptamente antes do prazo; em vez disso, haverá suporte financeiro para que as empresas não percam os benefícios acordados no período de sobreposição ICMS/IBS (2029-32).
Com o fim dos incentivos fiscais via imposto, os entes federativos deverão adotar novas estratégias para continuar atraindo investimentos e promovendo desenvolvimento regional. A própria EC 132/2023 instituiu o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), alimentado com recursos da União a partir de 2033, com objetivo de financiar projetos de infraestrutura, ciência e tecnologia e incentivar atividades produtivas em regiões menos desenvolvidas. A previsão é de aportes federais crescentes (estados estimam cerca de R$60 bilhões anuais até 2042) para que, em vez de renúncia fiscal, haja subvenções financeiras diretas e investimentos públicos que tornem os estados atraentes a indústrias.
Em outras palavras, um estado poderá, por exemplo, usar recursos do FNDR ou do próprio orçamento para conceder um “benefício financeiro” a uma empresa (como auxílio de custo, subsídio a investimento, doação de terreno, concessão de crédito subsidiado), compensando parcialmente a carga do IBS, só que de forma transparente (uma despesa orçamentária). Autoridades fiscais vêm destacando que isso torna visível o incentivo – diferentemente da isenção de imposto, que ficava “oculta” como receita que deixou de entrar nos cofres públicos.
Além dos benefícios financeiros, os estados poderão focar em políticas de infraestrutura e capacitação para atrair empresas. Segundo representantes do Comsefaz (Comitê dos Secretários de Fazenda), sem a ferramenta do ICMS reduzido, será necessário “ter uma agenda própria de fomento à economia”, investindo em logística, energia, qualificação de mão de obra, agilização de licenciamentos, e até concedendo incentivos não-tributários (como preços menores em tarifas estaduais, aluguel simbólico de terrenos em distritos industriais, parcerias público-privadas, etc.). Essas medidas, embora não reduzam o IBS, reduzem outros custos operacionais e podem compensar a ausência de vantagens tributárias. Outra alternativa é o uso de alíquotas diferenciadas do IBS dentro dos limites permitidos: por exemplo, os estados conservarão o poder de fixar a alíquota do IBS em seu território e, finda a transição, teoricamente poderão adotar uma alíquota um pouco menor que a média nacional para tornar o consumo local mais barato (atraindo estabelecimentos comerciais ou consumidores).
Contudo, essa “competição via alíquota geral” é limitada – durante a transição federativa há piso para a alíquota de cada ente, e após a transição reduções drásticas seriam autodestrutivas para a arrecadação do próprio estado. Portanto, é esperado que a disputa por investimentos migre, pelo menos em tese, de uma “guerra fiscal” para um modelo de incentivos explícitos e investimentos diretos.
Em síntese, empresas que antes recebiam incentivos de ICMS poderão, no futuro, receber apoio governamental de outras formas (subvenções orçamentárias, investimentos em infraestrutura local, facilidades burocráticas), já que o instrumento do imposto reduzido deixará de existir. Essa mudança tende a nivelar a concorrência tributária (todas as empresas pagarão IBS normalmente), cabendo aos entes federados utilizarem ferramentas extrafiscais para diferenciação.
- Impacto do IBS na base de cálculo do IRPJ e da CBS
Uma dúvida relevante é se os benefícios fiscais relacionados ao IBS impactarão o lucro tributável das empresas para fins de IRPJ/CSLL, tal como ocorria com o ICMS. No modelo atual, incentivos de ICMS concedidos por estados muitas vezes são contabilizados como subvenções governamentais à empresa beneficiária.
Conforme investigamos no primeiro artigo (A dinâmica evolutiva do entendimento sobre a aplicação das subvenções de ICMS na base do IRPJ até o cenário que se encontra atualmente – Parte 1) historicamente, havia uma distinção: subvenções para investimento (destinadas a expansão do negócio, com contrapartidas) podiam ser excluídas do lucro real para não serem tributadas pelo IRPJ/CSLL, ao passo que subvenções para custeio (meros aportes para despesas correntes, sem condições) eram tributadas. Essa diferenciação gerou muitas controvérsias sobre quais benefícios de ICMS poderiam ou não ser tributados como receita. A LC 160/2017 tentou pacificar a questão ao classificar todos os incentivos fiscais de ICMS válidos como “subvenções para investimento”, autorizando sua exclusão do lucro real (desde que atendidos os requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014, como reserva de lucros). Na prática recente, portanto, empresas beneficiadas por redução de ICMS podiam não oferecer o valor do imposto dispensado à tributação do IRPJ, tratando-o como incentivo de investimento (quando vinculavam esse benefício a projetos de expansão, conforme a lei).
Contudo, muito recente houve mudança na legislação federal de IRPJ: a Lei nº 14.789/2023 (publicada em 29/12/2023) revogou o regime anterior de isenção das subvenções para investimento. A partir de 2024, todos os tipos de subvenção governamental recebidos são, em princípio, tributados pelo IRPJ e CSLL, sem mais distinção entre custeio ou investimento. Em compensação, essa lei criou um mecanismo pelo qual empresas no lucro real que recebam subvenções públicas para implantar ou expandir empreendimento podem apurar um crédito fiscal equivalente a 25% do valor da subvenção (que corresponde ao IRPJ sobre aquele valor). Em termos simples, isso significa que, doravante, a empresa até inclui o incentivo em seu lucro tributável, mas obtém um crédito que neutraliza o IRPJ incidente, desde que cumpra as condições legais. O objetivo foi simplificar e eliminar a discussão sobre a natureza da subvenção: todo incentivo é contabilizado como receita, mas se for para investimento produtivo, há um crédito que diminui o efeito do imposto de renda. Assim, resolveu-se de forma geral a questão das subvenções no IRPJ, evitando interpretações subjetivas.
Diante desse novo contexto, pergunta-se: o IBS terá “benefícios fiscais” que funcionem como subvenções (aumentando o lucro das empresas) e que precisem ser excluídos do lucro real? A tendência, pelo menos em primeiro momento, é que não, isso pelo próprio desenho do IBS.
Como visto, o IBS não admitirá incentivos fiscais individualizados para empresas ou setores fora das exceções gerais da lei. Logo, diferentemente do ICMS (em que uma empresa podia ter redução de 90% do imposto e, com isso, ver seu resultado aumentar em relação a concorrentes), no IBS a empresa não receberá esse tipo de vantagem tributária discricionária. O imposto será devido de forma uniforme, de modo que não haverá “receita de subvenção” para a empresa contabilizar – ela simplesmente pagará o tributo normalmente, não havendo benefício a ser tratado como ganho extraordinário.
Dessa forma, o IBS em si não deve criar, em tese, os mesmos dilemas de inclusão/exclusão na base do IRPJ que o ICMS criou. Conforme a EC 132, o IBS não deve distorcer as decisões econômicas nem influenciar o resultado empresarial via favores tributários. Pelo contrário, busca-se neutralidade: empresas tomem decisões por fundamentos econômicos, não tributários.
É certo que algumas situações do IBS poderiam ser vistas, na forma, como um “benefício” e levantar questionamentos de tributação de lucro. Por exemplo, a Constituição previu alíquotas reduzidas ou zero para alguns casos específicos de IBS (como bens da cesta básica, exportações e a Zona Franca de Manaus) e também a possibilidade de crédito presumido do IBS em certas operações com a ZFM. Tais mecanismos servem a fins extrafiscais (justiça social, desenvolvimento regional) e são gerais, não vantagens negociadas individualmente. Nesses casos: se uma empresa vende produto com IBS zerado (ex.: exportação ou cesta básica), ela não recolhe o imposto – mas isso não configura “entrada” de recurso para a empresa, apenas deixa de encarecer seu produto; logo, não há uma subvenção a contabilizar como receita, apenas a redução de um custo (o tributo) tal como ocorre hoje com exportações imunes de ICMS.
Já no caso de créditos presumidos (como os concedidos no regime especial da ZFM pelo PLP 68/24), aí sim a empresa obtém um crédito de imposto além do que pagou, o que na prática equivale a um dinheiro economizado. Entretanto, vale destacar que esses créditos presumidos de IBS foram concebidos para equalizar cargas e evitar prejuízo competitivo entre regiões (ex.: fornecedores de fora da ZFM recebem um crédito ao vender para ZFM, compensando o IBS zero). Ainda assim, tecnicamente é um benefício financeiro para as empresas envolvidas.
Como fica isso no IRPJ? Aplicando-se a nova legislação federal, qualquer benefício fiscal recebido, inclusive créditos presumidos de IBS, integrará o resultado da empresa, porém dará direito a crédito de IRPJ se for subvencionado para investimento. Ou seja, mantém-se a neutralização via crédito tributário. Na própria EC 132/23 e LC 214/24, há dispositivos que reforçam que os incentivos do IBS visam investimento e desenvolvimento regional – alinhando-os à ideia de subvenção para investimento, o que sustenta sua não tributação efetiva no IRPJ (vide a existência dos fundos de desenvolvimento mencionados). Em suma, caso surja algum benefício financeiro vinculado ao IBS para determinada empresa, a sistemática atual do IRPJ já prevê sua tributação com posterior crédito, evitando os antigos litígios sobre incluir ou não no lucro real.
Assim, o novo modelo do IBS foi estruturado para não repetir os problemas do ICMS quanto à tributação de incentivos. Como regra, não haverá benefícios de IBS concedidos caso a caso, logo as empresas não terão “ganhos tributários” extraordinários que precisem ser tratados no lucro real. E se houver benefícios setoriais (previstos em lei nacional), a legislação federal atual do IRPJ já os trata de forma uniforme (tributação seguida de crédito), eliminando assim as dúvidas. Além disso, a definição de bases tributáveis na reforma busca ser mais clara e não-cumulativa, impedindo que o IBS componha a base de outros tributos como CBS, IRPJ ou CSLL de forma indevida.
Em síntese, o IBS não deve impactar negativamente a base de cálculo do IRPJ e da CBS das empresas. Pelo contrário, ao acabar com a guerra fiscal e harmonizar o tratamento dos incentivos, o IBS tende a reduzir disputas jurídicas que hoje existem sobre se certa receita é tributável ou é subvenção isenta. A carga tributária efetiva pelo IRPJ dependerá do lucro real das empresas – lucro esse auferido em um ambiente sem benesses fiscais de consumo – e não de benefícios estaduais. E caso a União ou estados queiram continuar fomentando investimentos, usarão instrumentos de subvenção direta cujo tratamento no IRPJ já está definido em lei (evitando os “mesmos problemas do ICMS” nesse quesito).
- Constitucionalidade e limitações do novo modelo (IBS e a autonomia dos Estados)
A instituição do IBS no lugar do ICMS/ISS representa uma mudança significativa no pacto federativo tributário, levando a questionamentos sobre autonomia estadual. No arranjo aprovado, os estados renunciaram à faculdade de conceder incentivos do imposto sobre consumo, o que à primeira vista pode ser visto como uma limitação de sua autonomia para implementar políticas de desenvolvimento regional. No entanto, essa mudança foi feita por Emenda Constitucional – ou seja, com ampla negociação e aprovação pelo Congresso Nacional e pelos próprios estados (via Senado Federal e Câmara, onde os interesses estaduais foram considerados).
Juridicamente, uma Emenda Constitucional só poderia ser invalidada se violasse uma cláusula pétrea (princípio federativo, por exemplo). Contudo, o federalismo brasileiro não garante imutabilidade do modelo tributário; ao contrário, a própria Constituição sempre impôs limites à ação isolada dos estados em matéria de impostos, justamente para preservar a federação. A vedação de incentivos no IBS é vista como uma continuidade desse princípio, de coordenar a tributação nacionalmente para evitar desequilíbrios. Já em 1988, o constituinte originário delimitou a competência estadual no ICMS com exigência de convênios unânimes; agora, o constituinte derivado (EC 132/23) ajustou o modelo proibindo de vez os incentivos de consumo, optando por soluções cooperativas (fundos de compensação e desenvolvimento).
Portanto, dificilmente isso seria considerado uma afronta à autonomia federativa em sentido inconstitucional – trata-se de um redesenho legítimo das competências, em que os estados concordaram em atuar de forma coletiva na tributação do consumo, em troca de um sistema mais eficiente e de recursos federais para desenvolvimento.
Importante salientar que os estados não perderam completamente o poder sobre a arrecadação do consumo: o IBS é de competência compartilhada entre União (no caso da CBS) e Estados/DF/Municípios (no caso da parcela do IBS). Os entes subnacionais terão representação no Comitê Gestor do IBS que administrará a arrecadação e distribuição do imposto. Além disso, cada estado e município poderá fixar sua alíquota própria do IBS por lei ordinária local (ainda que, como visto, sem diferenciação interna de setores) e durante a transição poderão ajustá-la em relação a uma alíquota de referência nacional estabelecida pelo Senado.
Ou seja, existe, sim, uma margem de manobra fiscal para os entes – eles conservam autonomia para determinar o nível de carga tributária do IBS em seu território, dentro de parâmetros gerais. Essa possibilidade de calibrar a alíquota (ainda que limitada pelo interesse coletivo de evitar guerra fiscal ao inverso) e a participação na gestão do tributo refletem a preocupação do legislador em preservar a autonomia dos entes federados na nova estrutura. A EC 132/23 e a LC 214/24, inclusive, foram concebidas sob o modelo de “IVA dual”, exatamente para respeitar o pacto federativo: em vez de um IVA nacional unificado apenas pela União, adotou-se um sistema dual em que União e estados/municípios têm cada qual seu imposto sobre base compartilhada, garantindo-se voz e competência a todos. Nesse sentido, o novo IBS busca equilíbrio entre uniformidade tributária e autonomia regional.
Do ponto de vista de potenciais conflitos federativos, a maior preocupação era com os estados menos desenvolvidos, que temiam perder um instrumento de competitividade (os incentivos do ICMS). Esse conflito foi mitigado pela criação dos fundos de compensação e desenvolvimento mencionados, que envolvem a União no esforço de redução das desigualdades regionais. Em vez de cada estado conceder unilateralmente renúncias fiscais (gerando conflito com os demais), a solução passa a ser coletiva: recursos federais distribuídos para financiar investimentos ou mesmo conceder subsídios financeiros às empresas que se instalarem em regiões menos favorecidas.
Isso realinha a intervenção do Estado na economia regional, tirando do âmbito puramente tributário (onde causava guerra fiscal) e levando para o âmbito orçamentário. Embora algum estado possa sentir que perdeu liberdade, ele ganha em contrapartida acesso a esses fundos. Dessa forma, a autonomia para promover desenvolvimento continua existindo, mas por meios diferentes e coordenados nacionalmente. Não há, até o momento, indicação de contestações jurídicas relevantes contra o modelo do IBS – ao contrário, ele foi resultado de consenso possível entre os entes federados após décadas de debates.
Em conclusão, é improvável, (mas não impossível) que o novo modelo do IBS seja considerado inconstitucional. A vedação de incentivos fiscais regionais não fere o núcleo essencial do federalismo; os estados continuam entes autônomos, com competência sobre parte da arrecadação do consumo (a fixação da alíquota do IBS e a apropriação de sua receita) e mecanismos de política pública alternativos. Na verdade, ao eliminar a “guerra fiscal” do ICMS, o IBS tende a fortalecer a Federação como um todo, reduzindo conflitos entre estados. A reforma foi desenhada para aumentar a eficiência e equidade do sistema tributário, ao mesmo tempo em que mantém os entes locais envolvidos nas decisões (por meio do comitê gestor e das leis locais de alíquota).
Naturalmente, por ser um sistema novo, desafios podem surgir na implementação – por exemplo, disputas sobre critérios de repartição do IBS, operação dos fundos compensatórios ou mesmo pressão política para criar exceções adicionais – mas esses seriam debates infraconstitucionais ou políticos, não propriamente questionamentos de constitucionalidade da estrutura.
Quanto às limitações, é fato que os estados perdem a liberdade de conceder benefícios de consumo e passam a depender mais de políticas nacionais; entretanto, isso foi uma escolha consciente para resolver os problemas do modelo anterior. Em troca, espera-se um cenário com menos problemas jurídicos que o ICMS enfrentava (como os litígios intermináveis sobre validade de incentivos e sobre tributação de subvenções no IRPJ) e com maior segurança jurídica para as empresas, já que a tributação do consumo será homogênea em todo o país.
Assim, como descrito ao longo da pesquisa desenvolvida, o IBS não deverá enfrentar, em princípio, os mesmos problemas do ICMS em relação a subvenções e bases de cálculo do IRPJ – justamente porque a reforma atacou essas distorções pela raiz – e seu modelo se sustenta juridicamente dentro dos princípios federativos, considerando o novo pacto estabelecido entre União, estados e municípios.