STF amplia alcance da Cide-Royalties e consolida precedente tributário bilionário

Conforme alertamos aqui no portal, o Supremo Tribunal Federal concluiu um dos julgamentos mais relevantes para a tributação de remessas ao exterior: a constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Royalties ou Cide-Tecnologia). A Corte, por maioria apertada, validou a cobrança sobre contratos que vão além da transferência formal de tecnologia, abrangendo também serviços técnicos e administrativos. Mas até que ponto essa decisão fortalece a inovação nacional ou cria uma contribuição com traços de imposto disfarçado?

O impacto financeiro é expressivo. Segundo projeções da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a União evitará perdas superiores a R$ 19,6 bilhões. Por outro lado, especialistas alertam que o precedente abre margem para ampliações ainda mais genéricas de bases tributárias. O que está em jogo é não apenas a arrecadação, mas também os limites constitucionais entre espécies tributárias e a previsibilidade do sistema para empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento.

O julgamento foi decidido pelo voto de minerva do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, que destacou a relevância estratégica da Cide para financiar ciência e tecnologia. O relator, ministro Luiz Fux, havia defendido que a incidência deveria restringir-se a contratos com exploração efetiva de tecnologia. Seu voto, seguido por André Mendonça, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, buscava delimitar a base contributiva. No entanto, prevaleceu a divergência aberta por Flávio Dino, que reconheceu a constitucionalidade plena da cobrança desde que os recursos sejam integralmente destinados ao setor de inovação (RE 928943).

O ministro Gilmar Mendes advertiu para os riscos de desvio na destinação dos valores arrecadados, frisando que a contribuição só se justifica se realmente fortalecer a atividade-fim. Já Barroso destacou que excluir determinados itens, como direitos autorais, abriria uma brecha interpretativa que poderia estimular manobras fiscais pelas empresas. Para advogados tributaristas, contudo, o entendimento amplia em demasia o alcance da contribuição, tornando difícil diferenciá-la de um imposto tradicional e criando um “ponto de virada silencioso” no sistema tributário.

A tese vitoriosa de Flávio Dino foi acompanhada por ministros como Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Barroso. Fachin citou precedentes do Supremo (RE 449233 e RE 581375) para reforçar que não é necessária a vinculação direta entre quem paga o tributo e a aplicação dos recursos arrecadados. Barroso, por sua vez, sustentou que a “referibilidade” deve ocorrer apenas no destino da arrecadação, e não na incidência da contribuição. O relator, Luiz Fux, e parte da Corte, entretanto, consideraram inconstitucional a cobrança sobre remessas de direitos autorais ou de softwares sem transferência de tecnologia. A ministra Cármen Lúcia ponderou pela necessidade de uma “referibilidade mínima” entre contribuinte e objeto da destinação.

Especialistas vem destacando que o julgamento pacificou a constitucionalidade da Cide-Tecnologia e das alterações legislativas que ampliaram sua base em 2001 e 2007. A decisão, segundo eles, legitima a contribuição mesmo em contratos que não envolvam transferência formal de conhecimento, desde que respeitada a destinação legal. No entanto, lembram que ainda cabe oposição de embargos de declaração, o que pode trazer ajustes pontuais ao alcance do precedente firmado.

A convergência dos votos majoritários mostra um alinhamento do STF com a política de incentivo à ciência e tecnologia, mas também escancara tensões históricas sobre os limites das contribuições de intervenção no domínio econômico. Ao consolidar a possibilidade de incidência sobre serviços amplos, a Corte reforça o caráter parafiscal do tributo, mas deixa latente a crítica de que a Cide se aproxima perigosamente de um imposto disfarçado com receita vinculada.

Do ponto de vista econômico, a decisão assegura bilhões de reais para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o que pode impulsionar programas estratégicos de inovação. Entretanto, no plano jurídico, a ampliação da base tributária sem vínculo direto com o fato gerador suscita dúvidas sobre segurança jurídica e previsibilidade, pontos cruciais para empresas que operam globalmente.

Em síntese, o julgamento do Tema 914 projeta efeitos além da própria Cide-Royalties. Ele sinaliza que o Supremo está disposto a validar contribuições mais abrangentes, desde que vinculadas a finalidades públicas claras. Esse precedente pode orientar futuras discussões sobre novas CIDEs ou até sobre a expansão de contribuições existentes.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/stf-amplia-alcance-da-cide-royalties-e-consolida-precedente-tributario-bilionario/