A incidência do ITBI continua a provocar controvérsias jurídicas que afetam tanto contribuintes quanto municípios. Em um cenário de crescente judicialização, dois pontos têm se mostrado recorrentes: a tributação na partilha de bens em divórcios consensuais e a exigência do imposto em cessões de contratos de promessa de compra e venda. Em ambos os casos, decisões judiciais recentes evidenciam a necessidade de interpretar o imposto à luz de seus limites constitucionais.
A questão central que se impõe é: até que ponto os municípios podem ampliar o alcance do ITBI sem que haja fato gerador efetivo? E, mais do que isso, como evitar a insegurança jurídica diante de exigências tributárias consideradas indevidas pelos tribunais superiores? Essas indagações pautam a análise de especialistas que vêm se posicionando sobre o tema.
Segundo a advogada Lara Hoeltz Sperb, a divisão de imóveis em divórcios consensuais, quando realizada sem qualquer compensação financeira entre os cônjuges, não enseja a cobrança do ITBI. Para a articulista, o critério determinante não é a desigualdade formal na partilha, mas a existência ou não de contraprestação. Assim, ainda que um dos ex-cônjuges fique integralmente com determinado imóvel, inexistindo pagamento em dinheiro ou entrega de outros bens como compensação, não há fato gerador do tributo.
O entendimento está consolidado no Superior Tribunal de Justiça, que já decidiu em diversos precedentes – como no REsp 1.111.589/SP, AgRg no REsp 1.605.245/SP e REsp 1.733.560/PR – que não incide ITBI sobre partilhas desiguais desde que não haja caráter oneroso. O Tribunal de Justiça de São Paulo seguiu a mesma linha ao julgar a apelação nº 1010120-86.2024.8.26.0053, afastando a cobrança do imposto em reorganização patrimonial decorrente de divórcio consensual sem compensação financeira. A legislação municipal, embora preveja a alíquota de 3%, exemplo, em São Paulo (Lei 11.154/1991), deve se submeter ao limite constitucional, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária.
O advogado Luiz Gustavo Barbosa Leite ressalta que muitos cartórios de registro de imóveis condicionam a efetivação do registro à prova de recolhimento do ITBI referente a cessões anteriores não registradas. Contudo, de acordo com o articulista, a incidência do imposto somente se perfectibiliza com o registro do contrato no cartório competente, e não pela simples celebração do ajuste entre as partes.
Para fundamentar essa posição, existem precedentes do STF e do STJ, como o AREsp 215.273, o AgRg no REsp 764.808/MG e o ARE 805.859-AgR, todos no sentido de que o fato gerador do ITBI ocorre apenas com o registro imobiliário. No julgamento do ARE 1.294.969 RG/SP, o Supremo reafirmou que a tributação só é legítima quando da efetiva transferência da propriedade, propondo inclusive a tese do Tema 1.124: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.
Ainda que pendente de definição definitiva quanto às cessões contratuais, a orientação majoritária reforça a não incidência do ITBI em contratos não levados a registro, posição que também tem sido reiterada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em decisões recentes, como na Apelação Cível nº 1.0000.22.153465-4/002.
Nessa toada, o cenário atual revela que o ponto comum nas discussões sobre ITBI reside na interpretação restritiva do fato gerador do imposto. Tanto nos divórcios consensuais sem compensação financeira quanto nas cessões de promessa de compra e venda não registradas, os tribunais têm reconhecido que não se trata de transmissão onerosa de propriedade. Em ambos os cenários, há apenas expectativa ou reorganização patrimonial, insuficientes para legitimar a exigência do tributo.
Essa linha de entendimento reitera a necessidade de limitar a atuação dos municípios dentro das balizas constitucionais. A tentativa de ampliar a base de incidência do ITBI gera insegurança jurídica e onera indevidamente os contribuintes, levando a uma judicialização que poderia ser evitada com uma interpretação alinhada à jurisprudência consolidada.
Portanto, a consolidação desse entendimento pelos tribunais superiores sinaliza um movimento de maior segurança para os contribuintes, ao mesmo tempo em que desafia os municípios a revisarem suas práticas arrecadatórias. O equilíbrio entre arrecadação e legalidade tributária mostra-se essencial para preservar tanto a justiça fiscal quanto a confiança nas relações jurídicas envolvendo imóveis.