Com a aproximação da fase de transição da reforma tributária sobre o consumo, marcada para 1º de janeiro de 2026, empresas de diferentes setores enfrentam pressão para adequar seus sistemas aos novos modelos de notas fiscais que deverão contemplar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Embora o primeiro ano da transição tenha caráter de teste, com alíquotas simbólicas de 0,1% e 0,9%, respectivamente, a não emissão dos documentos fiscais implicará não apenas a cobrança efetiva desses tributos, mas também um risco operacional severo: a impossibilidade de faturar e concluir operações.
No plano legal, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu artigo 125, § 4º, e a Lei Complementar nº 214/2025, no artigo 348, § 1º, definem que o contribuinte que cumprir as obrigações acessórias fica dispensado do recolhimento da CBS e do IBS em 2026. Caso contrário, o fisco exigirá os valores, aplicando o princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Esse detalhe, pouco percebido por parte das empresas, tem potencial de transformar um período concebido para testes em uma fase de contingências fiscais reais.
Especialistas consultados avaliam que o maior desafio não reside nos 1% de carga tributária somada, mas na capacidade de adaptação tecnológica. Se os campos destinados ao IBS e à CBS não forem devidamente preenchidos, os documentos fiscais simplesmente não poderão ser emitidos, paralisando a atividade empresarial. Embora a compensação com PIS e Cofins esteja prevista, a efetiva apropriação do crédito depende da conformidade na emissão das notas. Assim, a falha na atualização dos sistemas poderá impedir a operação de empresas inteiras, com reflexos imediatos na cadeia produtiva.
A Receita Federal, representada por Marcos Flores, gerente do projeto de implantação da reforma, assegurou que os novos layouts estarão disponíveis até dezembro de 2025, incluindo setores que passarão a emitir notas fiscais eletrônicas pela primeira vez, como saneamento básico, locações e transações imobiliárias. O órgão aposta em uma relação de cooperação e informa que, em situações críticas, poderá adotar soluções simplificadas para viabilizar a obrigação. Flores destaca que há mais de 15 anos os contribuintes ajustam suas notas a novas especificações técnicas ao menos duas vezes por ano, o que, em sua visão, reduz o impacto da mudança.
Ainda assim, associações empresariais e entidades de tecnologia veem riscos significativos no cronograma. Edgard de Castro, presidente da Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços (Afrac), alerta que empresas de pequeno porte estão particularmente vulneráveis pela falta de estrutura para implementar as mudanças. Ele enfatiza que todos os atores — empresas, municípios e governo — precisam estar integrados ao novo padrão nacional da Nota Fiscal de Serviço eletrônica (NFS-e) até janeiro de 2026. O atraso nesse processo, adverte, comprometerá a adesão geral ao modelo.
A empresas fornecedoras de soluções afirmam que a baixa mobilização empresarial preocupa mais do que os prazos governamentais. Embora o ambiente de homologação já esteja disponível, menos da metade dos clientes da companhia iniciou a parametrização dos sistemas. A adequação tecnológica exige não apenas ajustes técnicos, mas também revisão estratégica nos processos de gestão, o que demanda tempo que já se mostra escasso.
Nos efeitos práticos, a exigência de emissão em 2026 cumpre dupla função: prepara os sistemas privados e permite às administrações públicas calibrar as futuras alíquotas de IBS e CBS, mantendo a carga tributária em nível equilibrado. A ausência de dados fiscais pode inflar as alíquotas a partir de 2027, já que a base de cálculo ficaria subdimensionada. Nesse sentido, a colaboração das empresas não é apenas requisito legal, mas elemento indispensável para a definição justa das alíquotas a serem aplicadas no futuro.
Por fim, ainda que a Receita Federal adote discurso de cooperação e disponibilize ferramentas como a calculadora da reforma tributária, a responsabilidade de adequação permanece integralmente nas mãos dos contribuintes. A falta de ação imediata pode levar à cobrança indevida de tributos já em 2026 e, em cenário mais grave, inviabilizar a continuidade operacional das empresas.
O alerta, portanto, não se restringe ao setor privado: envolve também estados e municípios, cuja integração ao sistema nacional de notas fiscais é condição para a efetividade da transição até 2033.