Por Bianca de Castro Naves
Recentemente, foi publicada decisão do presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do Superior Tribunal de Justiça favorável à afetação, ao rito dos recursos repetitivos, de quatro recursos especiais (REsps 2.162.629/PR, 2.163.735/RS, 2.161.414/PR e 2.162.248/RS) para discutir a possibilidade de se deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) a despesa com o creditamento de juros sobre capital próprio (JCP) apurados em exercícios anteriores, nos quais não houve decisão assemblear autorizando esses pagamentos.
Conforme o artigo 9º da Lei nº 9.249/1995, que instituiu o tratamento tributário dos valores pagos a título de JCP, a pessoa jurídica pode deduzir do lucro líquido, para fins de determinação do lucro real, os valores pagos ou creditados aos sócios ou acionistas a título de remuneração do capital próprio.
O valor do JCP é calculado com base na variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), pro rata dia, sobre o valor das contas do patrimônio líquido, incluindo as contas de capital social, reserva de capital social, reserva de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados, conforme disposto no artigo 9º, § 8º, da Lei nº 9.249/1995, com as alterações da Lei nº 12.973/2014.
No entanto, para fins de dedução, é exigida a existência de lucros do exercício, lucros acumulados e reserva de lucros, conforme o §1º do artigo 9º da referida lei, além do cumprimento dos seguintes limites quantitativos: (1) 50% do lucro líquido do exercício antes da dedução do JCP; ou (2) 50% do total dos lucros acumulados e da reserva de lucros [1].
Para além da discussão sobre tais limites serem incompatíveis com a finalidade da norma — promoção da igualdade no tratamento tributário entre o capital próprio e o capital de terceiros —, sob as quais ainda não há entendimento pacificado, outro ponto controvertido se refere a aplicação de limitadores no que tange ao momento de realização da dedução dos JCP da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Intitulada como Controvérsia 669, sob relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues, a discussão objeto da presente análise se origina na Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017 que, ao tratar da sistemática de dedução de JCP da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, trouxe uma restrição temporal à dedução, exigindo-se que a sua realização se dê no mesmo exercício financeiro em que realizado o lucro da empresa:
“Art. 75. Para efeitos de apuração do lucro real e do resultado ajustado a pessoa jurídica poderá deduzir os juros sobre o capital próprio pagos ou creditados, individualizadamente, ao titular, aos sócios ou aos acionistas, limitados à variação, pro rata die, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e calculados, exclusivamente, sobre as seguintes contas do patrimônio líquido:
§4º. A dedução dos juros sobre o capital próprio só poderá ser efetuada no ano-calendário a que se referem os limites de que tratam o caput e o inciso I do § 2º [2].”
A partir desta disposição, a dedução de JCP somente poderia ser realizada no ano-calendário a que se referem seus limites. Por outro lado, restaria vedada a distribuição de JCP em exercício posterior ao da apuração do lucro, com a dedução da respectiva despesa na apuração do IRPJ e da CSLL.
No entanto, como visto, a Lei nº 9.249/95 em nenhum momento exigiu a correspondência entre a dedução de JCP com o exercício financeiro em que realizado o lucro, condicionando apenas à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.
Jurisprudência é favorável ao contribuinte
Por outro lado, outro ponto em debate se refere a violação ao regime de competência quando da autorização de dedução de JCP dos anos anteriores, o que é rebatido pelos contribuintes mediante a premissa de que o pagamento de JCP decorre necessariamente da deliberação do órgão societário e que somente a partir desse momento – e não da aferição do lucro – surge a obrigação de pagamento, tornando-se possível o seu reconhecimento contábil, conforme o regime de competência.
Nesse sentido, vale destacar que a jurisprudência de ambas as turmas do STJ é favorável aos contribuintes, no sentido de autorizar a dedução de JCP relativos a exercícios anteriores, desde que ao serem apurados, sejam observadas as limitações contidas no artigo 9º, §1º, da Lei nº 9.249/95:
“TRIBUTÁRIO. IRPJ. CSLL. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. DEDUÇÃO. EXERCÍCIOS ANTERIORES AO DA REALIZAÇÃO DO LUCRO. POSSIBILIDADE. 1. As duas Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento no sentido de que, a partir de 1997, tendo em vista a legislação não impor que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício financeiro em que realizado o lucro da empresa, pode ela ser efetuada em ano-calendário futuro. Nesse sentido: REsp 1.950.577/SP, relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe de 11/10/2023; AgInt no REsp 1.971.537/SP, relator ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 17/8/2023; AgInt no REsp 1.939.282/CE, relator ministro Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 24/3/2023; REsp 1.946.363/SP, relator ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe de 21/12/2022; AgInt no AREsp 1.359.504/SP, relator ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, DJe de 21/5/2019. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.105.094/PE, relator ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024.)”
Considerando que a jurisprudência de ambas as turmas do STJ se encontra pacificada em seu favor, os contribuintes, nos dois recursos especiais selecionados como representativos da controvérsia (REsp 2.162.629/PR e REsp 2161414/PR), se manifestaram em desfavor à afetação dos casos.
Em que pese a controvérsia ter sido submetido pela comissão competente para possível afetação, fato é que a discussão poderá se tornar um tema repetitivo, de forma que o STJ irá definir, de forma vinculante, o momento da dedução da despesa com os JCP da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Desse modo, em razão da afetação do tema, bem como, para prevenir-se de eventual modulação dos efeitos da decisão, os contribuintes que realizam o pagamento de JCP e que, portanto, podem deduzir o valor da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, devem ficar atentos a eventual necessidade de propositura de ação judicial própria, a fim de resguardarem seus direitos no que tange à dedução referente ao período pretérito.
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[1] “Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.
§1º. O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.”
[2] “Art. 75, § 2º “O montante dos juros remuneratórios passível de dedução nos termos do caput não poderá exceder o maior entre os seguintes valores:
I – 50% (cinquenta por cento) do lucro líquido do exercício antes da dedução dos juros, caso estes sejam contabilizados como despesa”
Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-dez-12/stj-podera-definir-a-possibilidade-de-deducao-de-jcp-retroativos-das-bases-de-calculo-do-irpj-e-da-csll/