Cessão de direitos e ITBI: STF e reforma tributária trazem dilemas a tributação imobiliária

A tributação das cessões de direitos relacionados à compra e venda de imóveis tornou-se mais um dos temas controversos do direito tributário recente. Afinal, o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) incide apenas com o registro da propriedade ou também quando há cessão de direitos aquisitivos? A resposta pode alterar significativamente tanto o caixa dos municípios quanto a segurança jurídica dos contribuintes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 prometem redefinir os contornos dessa discussão. Enquanto o primeiro reabre o debate sobre o momento exato do fato gerador, o segundo propõe a antecipação da cobrança, mesmo antes do registro imobiliário. Nesse cenário, especialistas apresentam leituras distintas sobre os impactos para o mercado imobiliário e para o contribuinte.

Segundo André Severo Chaves, a Constituição Federal é clara ao prever três hipóteses de incidência do ITBI: a transmissão onerosa de bens imóveis, a transmissão de direitos reais (exceto de garantia) e a cessão de direitos à aquisição. A jurisprudência, no entanto, consolidou o entendimento de que o imposto só é exigível com o registro, tese confirmada no Tema 1.124 do STF (ARE 1.294.969/SP).

O autor destaca que, embora essa decisão tenha afastado a tributação das cessões não registradas, ela não enfrentou de forma específica a hipótese da cessão de direitos à aquisição. Tanto que, nos embargos ao mesmo processo, a Corte reconheceu omissão e reabriu o debate. Há forte interesse dos municípios na tributação imediata, sob argumento de evitar perda de arrecadação e planejamentos abusivos, mas também há risco de dupla cobrança e insegurança jurídica. Além disso, o PLP nº 108/2024 reforça a controvérsia ao prever a antecipação do fato gerador e instituir o “valor de referência” como base de cálculo prevalente.

Já Luiz Gustavo Barbosa Leite enfatiza que a promessa de compra e venda, por si só, não pode ser considerada fato gerador do ITBI. O autor observa que cartórios frequentemente condicionam o registro da cessão à comprovação do pagamento de ITBI relativo a todas as transações anteriores não registradas, prática que considera incompatível com a Constituição e com a jurisprudência dos tribunais superiores. Ele relembra julgados como o ARE 805.859-AgR do STF e o AREsp 215.273/SP do STJ, que fixaram que o tributo só incide com o registro imobiliário. Para Leite, a mesma lógica se aplica às cessões de promessa de compra e venda: apenas quando o contrato for levado a registro haverá incidência.

Decisões recentes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Cível nº 1.0000.22.153465-4/002; Agravo de Instrumento nº 1.0000.22.153465-4/001) também reiteram essa interpretação, afastando a cobrança antecipada. Admitir a exigência antes do registro equivaleria a tributar mera expectativa de direito, o que afrontaria princípios de legalidade e segurança jurídica.

Em síntese, o debate atual expõe duas linhas centrais: de um lado, a posição que reconhece a cessão de direitos como hipótese autônoma de incidência, priorizando o interesse arrecadatório municipal e a prevenção a planejamentos fiscais agressivos; de outro, a corrente que restringe a tributação ao registro imobiliário, em defesa da segurança jurídica e da coerência com o direito civil.

A decisão do STF no Tema 1.124 será determinante para fixar os limites da tributação. Caso prevaleça a tese de que a cessão de direitos aquisitivos é tributável independentemente do registro, contribuintes enfrentarão maior antecipação de custos, e municípios terão ampliada a previsibilidade arrecadatória. Em contrapartida, se a Corte definir que apenas o registro gera o fato imponível, ficará consolidado o entendimento pró-contribuinte, mas com impacto direto sobre as finanças municipais.

Por fim, a tramitação do PLP nº 108/2024 tambem adiciona uma camada de incerteza já mesmo que o STF mantenha a vinculação do ITBI ao registro, a lei poderá deslocar o momento da incidência para a celebração do negócio, criando um novo paradigma. Assim, a harmonização entre o posicionamento judicial e a futura legislação será decisiva para assegurar clareza e estabilidade na tributação das operações imobiliárias no país.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/cessao-de-direitos-e-itbi-stf-e-reforma-tributaria-trazem-dilemas-a-tributacao-imobiliaria/