Uma divergência foi instaurada entre as turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o direito ao aproveitamento de créditos de ICMS relativos à energia elétrica utilizada na produção de gases industriais que acabam sendo perdidos no processo produtivo. A questão tem como foco principal a definição de se o crédito do imposto é devido mesmo quando os gases resultantes do processo de produção não são comercializados.
A 1ª Turma do STJ defendeu que o crédito de ICMS é devido, pois a energia elétrica foi efetivamente consumida no processo de industrialização, ainda que o produto final — os chamados “gases ventados” — não seja comercializado. Já a 2ª Turma adotou entendimento oposto, afirmando que o creditamento não pode ser realizado, uma vez que os gases ventados não foram objeto de comercialização, e, por consequência, não geraram tributação.
A 2ª Turma foi a primeira a julgar o tema, em 13 de novembro, sob a relatoria do ministro Francisco Falcão. O colegiado, de forma unânime, entendeu que o crédito de ICMS não poderia ser aproveitado pela White Martins. Segundo o entendimento adotado, o fato de os gases serem dissipados no processo produtivo impede o creditamento do ICMS, já que os gases ventados não foram comercializados e, consequentemente, não foram objeto de tributação.
A lógica adotada pela 2ª Turma reflete o argumento do Fisco estadual, que sustenta que, para gerar o crédito de ICMS, o bem adquirido (no caso, a energia elétrica) deve estar vinculado à produção de bens que efetivamente gerem receita tributável. Como o gás ventado não é comercializado, o entendimento foi de que não haveria direito ao crédito.
Já na 1ª Turma, o julgamento ocorreu no dia 10 de dezembro, e a interpretação foi diametralmente oposta. O relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, argumentou que a energia elétrica consumida no processo de industrialização confere o direito ao crédito de ICMS, independentemente do destino dos produtos gerados a partir desse processo. Para ele, a Lei Kandir e o artigo 33 dessa norma deixam claro que a entrada de energia elétrica no estabelecimento industrial garante o direito ao crédito de ICMS, desde que consumida na industrialização.
O principal argumento da 1ª Turma é que a não cumulatividade do ICMS, conforme estabelecida pela Lei Kandir, autoriza o creditamento do imposto sobre a entrada de energia elétrica, desde que consumida no processo produtivo. O ministro Paulo Sérgio Domingues destacou que a lei não condiciona o direito ao crédito à venda efetiva do produto final. Segundo ele, o legislador não previu nenhuma limitação em relação à destinação do bem produzido com o uso da energia elétrica adquirida.
A 2ª Turma, por sua vez, seguiu um caminho distinto. Sob a relatoria do ministro Francisco Falcão, o colegiado entendeu que a possibilidade de creditamento do ICMS está vinculada à comercialização do produto resultante do processo de produção. Nesse sentido, se o produto final (no caso, os gases ventados) não for comercializado, não há fato gerador do ICMS, o que impediria o aproveitamento do crédito.
A 2ª Turma também considerou que a lógica do creditamento de ICMS está vinculada ao conceito de “insumo produtivo”, sendo fundamental que o bem ou serviço adquirido esteja relacionado à geração de receita tributável. Como os gases ventados não são comercializados, a turma concluiu que não se justifica a apropriação do crédito.
A controvérsia chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) decidir em favor da White Martins, reconhecendo o direito ao crédito de ICMS sobre a energia elétrica utilizada na produção de gases ventados. O TJ-MG entendeu que os gases perdidos no processo de industrialização não se enquadram nos conceitos de perecimento, deterioração, inutilização ou extravio, mas sim de “rejeito industrial”, justificando a manutenção do crédito.
Para o TJ-MG, não se trata de uma perda acidental, mas de uma etapa inerente ao processo de produção, caracterizando a operação como parte da cadeia produtiva. Esse entendimento, porém, foi contestado pelo Fisco de Minas Gerais, que recorreu ao STJ alegando que os gases ventados não são comercializados e, portanto, não geram o direito ao crédito de ICMS.
O Fisco de Minas Gerais argumenta que o crédito de ICMS só é permitido para os insumos que participam diretamente da produção de bens que serão comercializados. No caso dos gases ventados, a alegação é de que, por serem rejeitos que não resultam em produto final vendido ao consumidor, não podem ser considerados parte do ciclo produtivo para fins de creditamento de ICMS.
Além disso, o Fisco sustenta que, como não houve tributação dos gases perdidos, não há como justificar o aproveitamento de crédito de ICMS. Para o órgão fazendário, é irrelevante que a energia elétrica tenha sido efetivamente utilizada na produção dos gases ventados, pois a Lei Kandir não permite o creditamento quando não há comercialização do produto final.
REsp 1.854.143
AREsp 2.439.507