STJ submete ao rito dos repetitivos a controvérsia sobre cessão de crédito em precatório previdenciário

O Superior Tribunal de Justiça determinou a afetação do REsp 2.217.133/RS ao rito dos recursos repetitivos para uniformizar a tese sobre a validade da cessão de crédito oriundo de ação previdenciária já inscrito em precatório. O caso, relatado pela Presidência da Comissão Gestora de Precedentes, coloca em debate a interpretação do art. 114 da Lei 8.213/1991 diante da autorização constitucional à cessão de precatórios (art. 100, § 13, da Constituição).

O despacho ressalta que a controvérsia é multitudinária, com potencial impacto jurídico, social e econômico, e que a submissão ao rito qualificado visa oferecer estabilidade, coerência e integridade à jurisprudência. Foram indicados como casos paradigmáticos, além do próprio REsp 2.217.133/RS, os REsps 2.216.815/RS e 2.217.137/RS.

A controvérsia se instaurou em contexto de expansão de mercado para compra de precatórios com deságio, especialmente durante o período de postergação dos pagamentos federais, quando segurados se viram mais vulneráveis às ofertas de aquisição desses créditos. A Nota Técnica 46/2024 do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal foi destacada para sublinhar a relevância social do tema.

No processo, a recorrente RIDOLFINVEST 2 Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados sustenta que o crédito representado pelo precatório tem natureza patrimonial disponível e pode ser livremente transferido, com mera comunicação ao juízo da execução. Segundo o despacho, a empresa concordou com a indicação do caso como representativo da controvérsia, apontando divergências jurisprudenciais e defendendo que a uniformização “estimulará condutas negociais legítimas e preservará os interesses públicos e privados envolvidos”.

De outro lado, o INSS optou por não se manifestar sobre a afetação ao rito qualificado, afirmando tratar-se de “aspectos patrimoniais disponíveis de titularidade do jurisdicionado, sem repercussão direta na esfera jurídico-previdenciária da Autarquia”. Ainda assim, o relator assinalou que a matéria envolve risco de violação a direitos de beneficiários e fomenta a criação de um mercado de precatórios, o que reforça a necessidade de balizas uniformes.

O pano de fundo jurisprudencial é heterogêneo. A Primeira Turma do STJ, no REsp 1.896.515/RS, firmou entendimento de que a vedação do art. 114 da Lei 8.213/1991 recai sobre o benefício em si, não impedindo a cessão do crédito inscrito em precatório, e registrou a possibilidade de controle judicial ex officio da validade do negócio: “faculta-se a transferência creditícia do título representativo a terceiros, porquanto direito patrimonial disponível passível de livre negociação” e “a possibilidade de cessão… não impede o juiz de controlar ex officio a validade de sua transmissão”.

Em respeito a esse precedente, a Turma Nacional de Uniformização aprovou a tese, no PUIL 5014213-45.2022.4.04.7100, de que “ao titular de crédito inscrito em precatório, inclusive o oriundo de ação previdenciária, faculta-se a transferência creditícia… conforme previsão no §13 do art. 100 da CF/88”.

Já a Segunda Turma do STJ possui julgados em sentido contrário, reafirmando que “o art. 114 da Lei 8.213/1991 veda, expressamente, a cessão de créditos previdenciários”, com precedentes como o AgInt no REsp 1.923.742/RS e referências ao EREsp 436.682/RJ. Em outra decisão, o Tribunal destacou a inaplicabilidade do REsp 1.091.443/SP (repetitivo sobre substituição processual) para autorizar a cessão de crédito previdenciário.

No STF, a orientação tem sido não conhecer dos recursos extraordinários sobre o tema por envolver reinterpretação de legislação infraconstitucional e reexame de provas, aplicando-se a Súmula 279. Em 25 de agosto de 2025, no ARE 1.555.337 AgR, a Segunda Turma assentou que “a possibilidade de cessão deve ser examinada, caso a caso…”, e, no ARE 1.480.166 AgR (29 de abril de 2024), manteve-se a conclusão pela inviabilidade de exame em sede extraordinária.

Na dimensão procedimental, o relator invocou o art. 44 do RISTJ e a Portaria STJ/GP 59/2024 para justificar a adoção do rito dos arts. 256 a 256-D do RISTJ, com vistas a “atribuir maior racionalidade aos julgamentos” e reduzir litigiosidade, ressaltando os efeitos irradiados dos repetitivos nos processos suspensos e nas atividades dos jurisdicionados.

Em síntese final, o STJ reconheceu a existência de dissídio interno e externo sobre a cessão de créditos em precatórios previdenciários e afetou o REsp 2.217.133/RS, ao lado dos REsps 2.216.815/RS e 2.217.137/RS, para fixar tese repetitiva que concilie a proteção ao caráter alimentar do benefício (art. 114 da Lei 8.213/1991) com a permissão constitucional de cessão de precatórios (art. 100, § 13, da CF), inclusive definindo condições de validade e controle judicial do negócio. Trata-se de tema com efeitos econômicos relevantes sobre o mercado de cessão e com impacto direto na execução de milhares de demandas previdenciárias, cuja uniformização busca segurança jurídica e isonomia.

Número do processo: REsp 2.217.133/RS.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/stj-submete-ao-rito-dos-repetitivos-a-controversia-sobre-cessao-de-credito-em-precatorio-previdenciario/